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Desordem e prisão

Vista geral de Cachoeira no começo do século XX - Fototeca Museu Municipal

A vida da cidade não era tão pacata assim há 100 anos. Como prova da agitação que por vezes tomava as ruas, uma notícia publicada na edição de 16 de janeiro de 1918 d'O Commercio refere desordem e prisão na calada da noite cachoeirense:

V. M. e E. B., em companhia das horisontaes* A. C. e P. M., resolveram consagrar à farra a noite de sexta-feira, noite tradicionalmente conhecida como escolhida para a apparição de bruxas, almas do outro mundo, boi-tatás e quejandas coisas que o vulgo rodeia de pavoroso mysterio, architectando, sobre ellas, as lendas mais extravagantes.

Na Pensão 15 de Outubro, de C. M., nome sob o qual se disfarça o cabaret localisado no extremo leste da rua Andrade Neves, entregaram-se esses comparsas de orgia a libações excessivas, ultrapassando o limite que o corpo era susceptivel de comportar sem desequilibrio.

Sahindo d'ali, já pela madrugada de sabbado, começaram a manifestar signaes de forte perturbação do entendimento, quebrando violentamente algumas vidraças do cabaret.

Depois, parando á rua 15 de Novembro, quadra entre as ruas General Portinho e Andrade Neves, uma das pandegas, sobre cujo systema nervoso o alcool, com certeza, estava a produzir grande excitação, começou a gritar desesperadamente, como si lhe estivessem a cortar algum membro do corpo com uma faca afiada.

Os gritos lancinantes, que mais pareciam uivos de cão do que vozes humanas, acordaram e puzeram em polvorosa todas as familias daquella quadra pacifica, deshabituada a semelhantes interrupções do seu placido repouso!

Debalde um dos comparsas dizia: Fica quieta! Qual nada! A incommoda creatura continuava a berrar, como quem estava nos derradeiros estertores da agonia.

Tal gritaria attrahiu para as janellas e as portas uma grande parte da vizinhança, e, d'ahi ha pouco. appareceu tambem a policia administrativa, que prendeu correcionalmente os quatro perturbadores do socego nocturno.

Triste fim da alegre noitada de assombro: hospedagem á sombra e pagamento, per capita, de 5$000 réis pela sahida, alem da indemnisação pela quebra das vidraças do cabaret.

- Sabemos que, na mesma noite, esses ou outros desordeiros, cuja culpabilidade cabe á policia averiguar, quebraram vidraças de alguns predios da rua Ramiro Barcellos, quadra entre as ruas 15 de Novembro e 1.º de Março, casas essas pertencentes á exma. sra. d. Maria Isabel da Silva Souto. (O Commercio, 16/1/1918, p. 3).

Bruxas, boitatás, almas do outro mundo... nada mais são do que mistérios que dão tempero e disfarce às coisas mais mundanas.

*horizontais: meretrizes.
Nota: os nomes dos meliantes, apesar de século passado, foram abreviados. 

MR

Comentários

  1. Bela história, perturbação da ordem desde os primórdios já existia...

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