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Pipas marcadas

A inauguração da primeira hidráulica, em setembro de 1921, não resolveu de todo a questão da distribuição de água na cidade, dependendo muitos ainda dos serviços prestados pelos pipeiros. Toda sorte de reclamações chegava à Intendência com relação à venda de água, ora atendo-se ao preço cobrado, às condições higiênicas das pipas e do próprio líquido precioso.

Uma correspondência de 4 de março de 1922, existente no acervo documental do Arquivo Histórico, dá mostras que a Intendência Municipal tentava proceder a análises da água comercializada, no sentido de garantir que o abastecimento da população atendesse às normas de higiene:

Cachoeira, 4 de Março de 1922

Illm.º Snr. Guilherme Francke Sobrinho.

Communico-vos de ordem do cidadão Intendente Municipal, Dr. Annibal Lopes Loureiro que, em virtude das analyses bacteriologicas procedidas nas aguas da fonte situada em terreno de vossa propriedade á rua Conde de Porto Alegre, foi verificado tratar-se de aguas suspeitas, povoadas pelos bacillos de Flessner e Proteus vulgaris, virulentos.

O bacillo coli encontra-se na quantidade de [rasgado] por litro.

O numero total de micro-organismos encontrados foi por centimetro cubico de 477.

Deveis pois, no caso de quererdes continuar a explorar a venda desta agua fazer as obras indicadas no croquis junto.

Após exgotamento da agua que tiver na fonte será feito a remoção do lodo existente, e o revestimento de reboco com cimento alisado; isto feito, uma vez novamente cheio dagua o poço, dissolvereis nelle 100 gramas de permanganato de potassio e deixareis assim uma semana.

Exgotada novamente a agua, será espalhada no fundo duas camadas; uma de carvão mineral e outra de areia lavada, como o croquis indica.

Deixareis juntar agua e sujeital-a-eis a novo exame bacteriologico.

São estas as condicções indispensaveis, exigidas pela municipalidade, para levantar a interdicção existente.

IM/OPV/Ofícios - 4/3/1922


O recolhimento da água da fonte de Guilherme Francke Sobrinho havia sido interditado e a liberação da captação somente depois do atendimento das instruções prescritas. 

Mas como saber, diante do variado número de pipeiros, de que fontes provinham águas que causavam malefícios à população? Uma das medidas foi a de marcar as pipas utilizadas com o nome da fonte em que a água era recolhida. A confirmar isso, há correspondências assinadas pelo engenheiro chefe de Obras Públicas, Joaquim de Almeida Vidal, orientando os pipeiros Taurino Cunha e Guilherme Francke no que segue:

Cachoeira, 16 de junho de 1922

Illm.º Sr. Taurino Cunha

N/Cidade.

De ordem do eng. chefe da Secção de Obras Publicas e de accordo com o regulamento em vigor, fica marcado o prazo de uma semana para que todas as pipas que se abastecem de agua nesta fonte, gravem em lettras regulares, brancas, bem legiveis, o distico: FONTE DO MATTO.

4.º Secção de Obras Publicas.

[assinatura] Joaquim de Almeida Vidal

IM/OPV/Ofícios - 16/6/1922


Outra correspondência, de teor idêntico à de Taurino Cunha, foi remetida a Guilherme Francke, determinando que o seu dístico, ou seja, o letreiro que constaria de suas pipas deveria ser FONTE FRANCKE.

Tais medidas certamente facilitaram o trabalho de fiscalização da qualidade de água, mas ainda devem ter causado muitos incômodos as águas recolhidas e comercializadas sem o devido tratamento. Em 1925, quando a segunda hidráulica passou a funcionar, uma parte maior da população teve acesso à água tratada. 

Frustrante é constatar que em pleno século XXI, apesar de todos os avanços e da expansão do serviço de água e esgotos, ainda assim uma parcela desassistida da população convive com a insalubridade...  

MR

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