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Encarecimento e escassez da água

Bem a propósito do que estamos vivenciando neste começo de 2015, nossos antepassados da Cachoeira de 1920, estavam também experimentando dificuldades com a obtenção do líquido precioso, aquele sem o qual não vivemos e de que nos ressentimos à mínima falta que nos faça.
A edição do jornal O Commercio (1900-1966), de 10 de março de 1920, em sua página 2, traz a respeito disto a seguinte notícia:

- Desde 1.º do corrente os srs. pipeiros, allegando a "carestia da forragem etc.", subiram para 100 réis o preço do barril d'agua, anteriormente vendida á razão de 200 réis por 3 barris, ou seja 67 réis por balde.
A medida da alta, agora generalisada, de 50% sobre o preço anterior, já era, aliás, empregada parcialmente durante o verão actual, em que, quando não vinha o frêguez (sem allusão á dialectica) o consumidor comprava do primeiro pipeiro que aparecesse, e que lhe cobrava 100 réis pelo conteúdo da vasilha, conforme a praxe estabelecida.
Não queremos discutir si, nas circumstancias actuaes, em que tudo encareceu consideravelmente, é ou não razoavel essa alta de 50%. O que queremos frisar é o novo accrescimo que essa subida vem trazer aos orçamentos domesticos, e principalmente aos dos chefes de familias numerosas, que gastam de 40$000 a 50$000 rs. de agua por mez.

A matéria do jornal, além de informar sobre a alta dos preços, fornece informações interessantes sobre a forma pela qual a água chegava aos cachoeirenses de então:

Nesta cidade, pouca gente possue algibes e poços, pois que é carissima a construcção dos primeiros e difficil e problematica a abertura desses ultimos. Depois de fazer uma excavação 70 a 100 palmos, arrisca-se ainda o proprietario a não encontrar agua e, algumas vezes, a encontrar agua impropria para beber. Encontrado o liquido, em grande profundidade, é preciso tiral-o a catavento ou por outro meio mechanico, o que torna ainda mais cara a agua, para quem della precisa em quantidade.
Talvez que esse encarecimento da agua venha trazer-nos o beneficio do apparecimento de outras pipas, por tornar mais lucrativo o negocio e attrahir assim a attenção de outros empreendedores desse negocio, que, bem cuidado, dá margem a bons lucros.
Si assim fôr, não continuaremos a soffrer a escassez d'agua de que tanto se queixa a maioria da população, a qual, si não fôra chuvoso como foi, felizmente, o actual verão, teria passado verdadeiros tormentos por falta do precioso liquido.
Apenas 14 pipas, entre grandes e pequenas, de capacidade de 21 a 42 barris, servem a nossa cidade.
Todas as fontes correram e correm abundantemente, existindo ainda algumas inexploradas, de modo que não é por falta d'agua, e sim por falta de conductores que a população soffre necessidade.
Se no proximo verão não melhorarem as condições de fornecimento, a administração do município precisará vir em socorro do povo, adoptando alguma providencia, até que se torne em realidade o estabelecimento da projectada hydraulica.

A história registra a inauguração da projectada hydraulica no ano seguinte, 1921, quando a cidade finalmente pôde ser abastecida, em parte, pela água encanada. Os pipeiros, entretanto, continuaram ainda por alguns anos a empreenderem o seu negócio que, pouco a pouco, desapareceu. Em 1925, com a instalação da segunda hidráulica, um contingente maior de cachoeirenses viu a água chegar a suas casas.

Inauguração da 1.ª Hidráulica - proximidades do Hospital de Caridade
- dia 20 de setembro de 1921 -
Fonte: Grande Álbum de Cachoeira (1922), de Benjamin Camozato

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