Pular para o conteúdo principal

Um outro cemitério para a cidade

No início da última década do século XIX, grande era a insatisfação dos cachoeirenses com os serviços de sepultamento no Cemitério das Irmandades, então o único existente no recinto urbano. Havia grande reclamação com o descaso, com as taxas cobradas pela igreja e também pela questão do credo que limitava os sepultamentos apenas aos católicos. Desde a década anterior, ou seja, 1880, a então Câmara Municipal tratava da necessidade da construção de um novo cemitério, tendo escolhido para isto um terreno no Alto dos Loretos.

Em 14 de agosto de 1891, cientificado pela Junta Municipal*, o vigário da Paróquia da Cachoeira, padre Vicente Zeferino Dias Lopes, oficiou a David Soares de Barcellos** dando conta de que já havia feito saber ás Irmandades remettendo uma copia para intelligencia e cumprimento para cessar os sepultamentos no antigo Cemiterio, e fazer-se no novo, o que indicava estar pronto e apto ao funcionamento o Cemitério Municipal.

Correspondência do vigário às autoridades municipais - JM/OF/CR-Cx. 1
Com a abertura do Cemitério Municipal, os sepultamentos das pessoas de outros credos, especialmente os luteranos, já em número significativo na cidade, passaram a ser feitos sem embaraços, legitimando a intenção que havia sido expressa em correspondência de alguns membros da comunidade evangélica local (que seria oficialmente fundada em 1893) dirigida à Junta Municipal em 18 de março de 1890:



Correspondência de membros da comunidade evangélica
- JM/OM/DC-Cx. 1

O teor da correspondência, que é assinada pelos luteranos João Gerdau, Carlos Koch, Phillip Adam, Jacob Trarbach e [Guilherme?] [França?], diz que há tempos era intenção da comunidade evangélica local fundar um cemitério próprio, para o que angariava recursos entre os interessados, mas que diante da notícia publicada no jornal 15 de Novembro de que a Junta Municipal estava na diligencia de construir um novo Cemiterio, vinha oferecer a quantia arrecadada de 400 mil réis para contribuir com a obra. Para tanto, os signatários solicitavam que fosse concedida a dita Comunidade evang. protest. dentro do limite do novo cemiterio que se está construindo, um terreno de [?] 25 Metros de frente e de 50 Metros de fundo. Seria completo o desejo da Comunidade se a fôr concedido o dito terreno correndo o cumprimento do mesmo pela metade da frente do novo cemiterio, obrigando-se a dita comunidade de pôr e conservar o dito terreno em bom estado, avorizar o [ar?] e concorrer deste modo de sua parte para que o cemiterio mostrará uma vista digno ao seu fim: Memoria aos defuntos.

Grande é o número, ainda nos dias atuais, de túmulos, capelas e jazigos perpétuos com inscrições em alemão que remontam àqueles tempos, constituindo-se em monumentos com importância histórica, arquitetônica e simbólica que merecem atenção e respeito das autoridades, devendo ser preservados como testemunhas de uma época.

* Comissão encarregada da administração do município a partir da proclamação da República.
** Erroneamente tratado na correspondência como intendente municipal. A Intendência, e com ela a figura do intendente, só seria instituída em 1892.

(MR)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Casa da Aldeia: uma lenda urbana

Uma expressão que se tornou comum em nossos dias é a da "lenda urbana", ou seja, algo que costuma ser afirmado pelas pessoas como se verdade fosse, no entanto, paira sobre esta verdade um quê de interrogação!  Pois a afirmação inverídica de que a Casa da Aldeia é a mais antiga da cidade é, pode-se dizer, uma "lenda urbana". Longe de ser a construção mais antiga da cidade, posto ocupado pela Catedral Nossa Senhora da Conceição (1799), a Casa da Aldeia, que foi erguida pelo português Manoel Francisco Cardozo, marido da índia guarani Joaquina Maria de São José, é mais recente do que se supunha. Até pouco tempo, a época tida como da construção da casa era dada a partir do requerimento, datado de 18 de abril de 1849, em que Manoel Francisco Cardozo: querendo elle Suppl. Edeficar umas Cazas no lugar da Aldeia ecomo Alli seaxe huns terrenos devolutos na Rua de S. Carlos que faz frente ao Norte efundos ao Sul fazendo canto ao este com a rua principal cujo n

Hospital da Liga - uma obra para todos

Interessante recobrar a história de construção do Hospital da Liga Operária, o gigante do Bairro Barcelos, que se ergueu sob a batuta do maestro do operariado cachoeirense: o vereador José Nicolau Barbosa. E justamente agora que o município planeja desapropriá-lo para nele instalar o sonhado curso de medicina. José Nicolau Barbosa apresentando a obra do Hospital da Liga Operária - Acervo familiar O sonho do Nicolau, como ficou conhecido o empenho que aplicou sobre a obra, nunca chegou a se realizar, uma vez que a edificação não pôde ser usada como hospital. Ainda assim, sem as condições necessárias para atendimento das exigências médico-sanitárias, o prédio de três andares vem abrigando a Secretaria Municipal de Saúde. Mesmo desvirtuado de seu projetado uso original, mantém o vínculo com o almejado e necessário atendimento da saúde do trabalhador cachoeirense. O Jornal do Povo , edição de 1.º de março de 1964, traz uma entrevista com José Nicolau Barbosa, ocasião em que a reportagem do

Bagunça na 7

Em 1870, quando a moral e os bons costumes eram muito mais rígidos do que os tempos que correm e a convivência dos cidadãos com as mulheres ditas de vida fácil era muito pouco amistosa, duas delas, Rita e Juliâna, estavam a infernizar moradores da principal e mais importante artéria da Cidade da Cachoeira. Diante dos "abusos" e das reclamações, chegou ao subdelegado de polícia da época, Francisco Ribeiro da Foncêca, um comunicado da Câmara Municipal para que ele tomasse as necessárias providências para trazer de volta o sossego aos moradores. Rua 7 de Setembro no século XIX - fototeca Museu Municipal A solicitação da Câmara, assinada pelo presidente Bento Porto da Fontoura, um dos filhos do Comendador Antônio Vicente da Fontoura, consta de um encadernado do Fundo Câmara Municipal em que o secretário lançava o resumo das correspondências expedidas (CM/S/SE/RE-007), constituindo-se assim no registro do que foi despachado. Mais tarde, consolidou-se o sistema de emitir as corresp