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Encontrada a cápsula do tempo do 3.º BECmb

Na manhã do dia 6 de outubro de 2017, soldados do 3.º Batalhão de Engenharia e Combate de Cachoeira do Sul fizeram o passado emergir da terra quando localizaram a cápsula do tempo que foi depositada sob a pedra fundamental dos quartéis, festivamente lançada em 2 de abril de 1922.

Naquele dia 2 de abril, estiveram em Cachoeira o Ministro da Guerra, João Pandiá Calógeras, General Cândido Rondon, chefe da Diretoria de Engenharia do Exército, outros oficiais e representantes da Companhia Construtora de Santos, empresa executora das obras.

João Pandiá Calógeras - Ministro da Guerra
Cândido Rondon - Diretor de Engenharia do Exército

Recebidas pelo intendente Aníbal Loureiro, as autoridades foram levadas para conhecerem o terreno em que se assentariam os quartéis, cedidos pela Intendência ao Ministério da Guerra depois de terem sido adquiridos por compra a Virgílio Carvalho de Abreu e Virgilino Carvalho Bernardes.

Intendente Annibal Loureiro

O jornal O Commercio, edição de 5 de abril de 1922, traz a notícia da grande movimentação daquele dia 2:

Lançamento festivo da pedra inicial dos trabalhos da construcção do quartel de Engenharia
A visita do Ministro da Guerra

Conforme estava annunciado chegou ás 17 horas de 2, em trem especial, a esta cidade, o dr. João Pandiá Calogeras, Ministro da Guerra, que foi recebido na Estação da Via Ferrea por todas as auctoridades locaes e povo, dando-lhe as boas vindas, em nome da cidade, o dr. Annibal Loureiro, Intendente Municipal.
O dr. Calogeras viaja acompanhado de sua exma. esposa e dos snrs. Generaes Candido Rondon, Abilio Noronha e varios outros distinctos officiaes de varias patentes. Com S. Exa. tambem viajam o dr. Roberto Simonsen e exma. esposa e o dr. Ernani Azevedo, respectivamente presidente e chefe do departamento deste Estado da Companhia Constructora de Santos, sob cuja administração estão sendo construidos varios quarteis no Rio Grande, em São Paulo, S. Catharina e Matto Grosso.
Feitas as apresentações protocollares, S. Exa. o Ministro da Guerra e o dr. Annibal Loureiro, em landaulet, acompanhados de varios automoveis occupados pela comitiva ministerial, seguiram em rapido passeio pela cidade, dirigindo-se em seguida, pela rua Andrade Neves e caminho do Seringa, rumo ao terreno escolhido para construcção do quartel do 3.º Batalhão de Engenharia.
Este terreno, que é localisado proximo á cidade, em optima situação topographica, foi adquirido pela municipalidade e doado ao Governo Federal.
Após percorrer cuidadosamente todo o terreno e examinar o rio Jacuhy, S. Exa. muito bem impressionado, approvou o projecto da locação dos edificios, autorisando o inicio dos trabalhos.
Foi, então, pelo nosso amigo Emiliano Carpes, nomeado secretario ad-hoc, lavrado, em pergaminho, uma acta commemorativa do inicio dos trabalhos; após sua assignatura pelo Ministro e demais pessoas gradas o dr. Roberto Simonsen, em nome da Companhia Constructora de Santos, offereceu aos presentes uma taça de “champagne” e saudou em termos encomiasticos o sr. Ministro da Guerra pela fecunda actividade desenvolvida neste importante departamento governamental.
Terminou levantando sua taça em honra de S. Exa., no que foi correspondido por todos os presentes.
Fallou em seguida o dr. Annibal Loureiro que disse, em resumo, que a cidade se ufanava com a visita do sr. Ministro e que o municipio tinha immensa satisfação em offerecer ao Governo Federal a área de terreno necessaria á construcção de quarteis, para o abrigo de suas tropas; que era justamente proclamada e por todos reconhecida a sua extraordinaria operosidade na pasta da guerra; que a reorganisação do exercito constituia obra de tamanha magnitude que a sua realisação ou simples emprehendimento valia por um justo titulo de benemerencia publica, de admiração e reconhecimento das gerações presentes e futuras; a ella nos associariamos, com todo o ardor patriotico, prestando sincera coadjuvação; que era bem possivel que após a conflagração mundial, pela dura licção dos factos demonstrativos de que nas guerras nem mesmo a victoria por mais resplandecente que seja compensa os ingentes sacrificios despendidos, para obtel-a, venham os povos a desfructar uma longa era de pacificação; mas, emquanto a Humanidade não atingir a um elevado grau de aperfeiçoamento, pelas tristes contingencias humanas e sociaes e mesmo em face da acção pouco efficiente da Liga das Nações e dos congressos de desarmamentos, estariamos ainda, quem sabe até quando, sujeitos a uma vida de paz armada, synthetisada pelos latinos, com admiravel concisão, na maxima se vis pacem para bellum; que, por isso, a Nação que compõe o proprio exercito applaudia a sua acção e acompanhava jubilosa a sua jornada através do territorio patrio, no afan patriotico de implantar marcos que assignalariam as linhas de defesa nacional, dentro das quaes o Brasil saberia manter respeitadas a sua integridade e soberania.
Terminou, levantando sua taça em homenagem ao snr. Ministro e á grandeza e prosperidade da Patria, sendo suas ultimas palavras cobertas por uma salva de palmas.
A esta saudação respondeu o dr. Pandiá Calogeras em eloquente saudação, cuja summula deixamos de transmittir aos nossos leitores, receiosos de trahir o seu pensamento, na impossibilidade em que nos encontramos de submettel-a á sua revisão.
Recordamos, porém, que Sua Exa., agradecendo, em nome do Governo Federal, a doação feita pelo Municipio dos terrenos destinados á construcção dos quarteis, referiu-se encomiasticamente á solicitude da Municipalidade e á cooperação patriotica que, neste sentido, tem encontrado em todos os elementos sulriograndenses.
Finalisou o seu discurso, entregando as obras á actividades dos constructores, á competencia da Directoria de Engenharia do Exercito, representada naquelle acto pelo seu respeitavel chefe, General Candido Rondon e finalmente ao carinho da população de Cachoeira.     
Suas ultimas palavras provocaram na numerosa assistencia prolongados applausos.
Em seguida, dirigiram-se todos para o local do marco inicial das obras, afim de se proceder á cerimonia de sua implantação, tendo S. Exa. lançado a primeira pá de cimento.
Terminada a solemnidade, o Ministro e sua comitiva dirigiram-se para a estação da Viação Ferrea, afim de prosseguirem viagem para Rio Pardo e Caxias.
Á hora da partida, o dr. Annibal Loureiro offereceu a Mme. Calogeras um ramalhete de flores naturaes e a pequena pá de prata com que o snr. Ministro lançou a primeira argamassa de cimento sobre a pedra fundamental das obras.
Sua Exa. partiu ás 19 horas, agradavelmente impressionado não só com o acolhimento que teve como tambem com o estado de vitalidade e progresso que notou na cidade.
Á noite, em regosijo pela inauguração da construcção dos quarteis que muito contribuirão para o progresso e desenvolvimento local, o dr. Annibal Loureiro offereceu um jantar intimo a varias pessoas das suas relações, sendo ao dessert saudado pelo dr. Balthazar de Bem e advogado Antunes de Araujo, que enalteceram a sua administração.
Agradecendo, o dr. Annibal levantou o brinde de honra ao dr. Borges de Medeiros, a quem, disse, Cachoeira muito devia, no que foi calorosamente applaudido.
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As obras da construcção do quartel para o 3º Batalhão de Engenharia estão, como dissemos acima, a cargo da Companhia Constructora de Santos, estando aqui, ha varios dias, incumbidos dos trabalhos iniciaes os srs. dr. Victor Cavagnari, engenheiro, e Ernani Oliveira, almoxarife.
Estão feitos no campo todos os trabalhos de locação de edificios, que são em numero de quatorze. Muito breve serão iniciados os trabalhos de abertura dos alicerces, sendo as obras em seguida atacadas vigorosamente, pois o Ministro da Guerra pretende vel-as terminadas em Novembro proximo.

Um dos momentos daquele memorável dia, embora a notícia do O Commercio não refira, foi a colocação, junto à pedra fundamental, de uma cápsula do tempo contendo jornais e moedas da época. O incrível é que, 95 anos depois, a cápsula foi encontrada quase intacta! No interior da caixa de metal, exemplares dos jornais locais O Commerciode 15 de março de 1922, Cachoeirense, de 1.º de abril de 1922, A Palavra, de 2 de abril de 1922, A Manhã, de Porto Alegre, de 1.º de abril de 1922,  A Federação, de Porto Alegre, de 30 de março de 1922, Correio do Povo, de Porto Alegre, de 2 de abril de 1922, e Diario do Interior, de Santa Maria, de 1.º de abril de 1922. Há também, bastante deteriorada, parte do relatório da Companhia Constructora de Santos, de 1919-1920, provavelmente ilustrado com as obras empreendidas pela companhia naquele biênio.  Integravam ainda a caixa, quatro moedas de diferentes valores de réis, que era o dinheiro da época.

O conteúdo se revela

Trazida ao Arquivo Histórico por Osni Schroeder, presidente da Associação Cachoeirense de Amigos da Cultura - AMICUS, para ser analisada, a cápsula acabou revelando um conteúdo com alta significação histórica não apenas por proporcionar uma viagem no tempo, mas também por permitir que viessem à luz exemplares de jornais que se tornaram muito raros em nossos dias, caso de A Palavra, de cunho político dirigido por Fábio Leitão e de existência efêmera, como seu diretor, cuja coleção se perdeu, e o Cachoeirense, que porta um título que se repetiu na história da imprensa cachoeirense e que circulou por pouco mais de 10 anos, editado por Francisco Antônio Dias.

Osni Schroeder e a cápsula
O conteúdo da cápsula se revela
Raro jornal A Palavra
Igualmente raro jornal Cachoeirense
O Arquivo Histórico, como instituição de memória documental, agradece ao Comandante do 3.º BECmb, Coronel Guilherme Stagi Hossmann, que confiou na equipe da instituição para custodiar temporariamente o importante e inédito achado, dando-lhe o tratamento inicial conveniente.

A cápsula do tempo, tal como nos filmes de ficção científica, literalmente permite uma viagem ao passado, encontrando nele os vestígios de um dia que entrou para a história.

2/4/1922 - um dia para a história - Foto de Benjamin Camozato
- Grande Álbum de Cachoeira - 1922

MR

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