Pular para o conteúdo principal

Peste

Em tempos de sobressaltos em razão de nova peste que espreita a humanidade, o coronavírus, batizado de Covid-19, é bom lembrar que momentos como este já foram vividos inúmeras vezes.

Há 100 anos, o jornal O Commercio noticiava foco de peste bubônica na cidade, pondo em alerta as autoridades sanitárias e o povo:

Infelizmente a peste bubonica, que fôra considerada extincta nesta cidade, reappareceu n'um novo fóco á rua Moron, nos predios n.os 57 e 59.
Esses predios ficam muito proximos ao do sr. José Nunes de Castro, á mesma rua, onde enfermaram gravemente, de peste bubonica, em Janeiro, o sr. Aristodemo Accorsi e sua exma. esposa, que felizmente se restabeleceram.
A nova irrupção da peste nos predios n.os 57 e 59 foi precedida de grande mortandade de ratos e gatos. O primeiro doente atacado de peste nesse predio foi d. Justina Peres, a qual foi attendida pelo dr. José Felix Garcia, e falleceu no 3.º dia depois de ter adoecido. Dias depois enfermou a senhorita Luiza Wolff, de 18 annos de idade, que foi medicada pelo dr. Ricardo d'Elia, sendo tambem attendida em conferencia pelo dr. Bruno de Campos. Essa desventurada moça, attingida pela peste em plena saúde e na flôr da idade, tambem falleceu no 3.º dia de molestia. No mesmo predio residia a preta Rosalina dos Santos, a qual, atacada pela peste na semana ultima, falleceu no domingo, tendo sido tratada pelo dr. Alberto Gradim. Ainda no mesmo predio existe atacado pela peste, em estado grave, o joven Gustavo Wolff, de 16 annos de idade, irmão da finada Luiza Wolff, já victimada pela referida molestia.
Como se vê, o novo fóco já atacou a quatro pessoas, tres das quaes falleceram, estando o outro enfermo em perigo de vida, sob o tratamento do dr. Balthazar.
O governo do Estado e o do municipio, informados do occorrido, determinaram energicas providencias, afim de debellar o mal, não permittindo que Cachoeira hospede a bubonica em estado chronico, como, infelizmente, tem acontecido em outras cidades.
Chegou de Porto Alegre, no dia 7, um desinfectador da hygiene, que tem distribuido veneno para ratos e pó de mosquito á população. Os predios, onde ocorreram casos de peste, serão demolidos, caso não permittam, pelas suas más  condições, uma perfeita impermeabilisação do sólo.
Não podemos regatear applausos á autoridade sanitaria nas medidas de rigor a serem tomadas. Cachoeira infelizmente ainda possue, no seu centro mais povoado, velhissimos predios, incompativeis com o nosso gráu de progresso, , e que, pelas suas pessimas condicções de asseio, são verdadeiros  viveiros de ratos, promptos a tornarem-se, n'uma circumstancia como a actual, em terriveis fócos de peste, a diffundir a epidemia pela cidade. E, por uma estranha circumstancia, pertencem elles a pessôas abastadas, que, pela sua conservação, estão impedindo o progresso da cidade e constituindo uma ameaça á saúde publica.
Felizmente, ao que sabemos, o illustre dr. intendente municipal tomou severas medidas para que taes predios, muitos delles já ameaçando ruinas, sejam immediatamente demolidos. O governo do Estado, por sua vez, está seriamente empenhado para que rigorosas medidas de saneamento libertem o Rio Grande do flagello da peste.
Cumpre que a nossa população auxilie a acção dos poderes publicos. É sabido que o rato é o primeiro animal atacado pela peste. Infeccionado este, a pulga, que elle sempre hospeda, passa ao homem que é por sua vez infeccionado. Tudo, portanto, que contribuir para matar os ratos e as pulgas, deve ser feito. As casas devem ser trazidas no mais rigoroso asseio, lavadas com agua creolinada. Deve ser distribuido veneno aos ratos, podendo as pessoas pobres procural-o na intendencia municipal. Com a acção conjuncta dos poderes publicos e da população, esperamos que a bubonica desappareça para sempre de Cachoeira. 


O Commercio, 10/3/1920, p. 1

Como costuma acontecer com epidemias, as primeiras medidas sempre devem partir da população, no sentido de manter o asseio pessoal e de suas habitações. Com a terrível Covid-19 não é diferente. Casos como da peste bubônica, da gripe espanhola, do H1N1 e do próprio coronavírus, ainda que paire sobre eles uma grande distância de tempo, guardam a mesma essência: seu combate começa pela higiene e medidas de prevenção.

MR

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Casa da Aldeia: uma lenda urbana

Uma expressão que se tornou comum em nossos dias é a da "lenda urbana", ou seja, algo que costuma ser afirmado pelas pessoas como se verdade fosse, no entanto, paira sobre esta verdade um quê de interrogação!  Pois a afirmação inverídica de que a Casa da Aldeia é a mais antiga da cidade é, pode-se dizer, uma "lenda urbana". Longe de ser a construção mais antiga da cidade, posto ocupado pela Catedral Nossa Senhora da Conceição (1799), a Casa da Aldeia, que foi erguida pelo português Manoel Francisco Cardozo, marido da índia guarani Joaquina Maria de São José, é mais recente do que se supunha. Até pouco tempo, a época tida como da construção da casa era dada a partir do requerimento, datado de 18 de abril de 1849, em que Manoel Francisco Cardozo: querendo elle Suppl. Edeficar umas Cazas no lugar da Aldeia ecomo Alli seaxe huns terrenos devolutos na Rua de S. Carlos que faz frente ao Norte efundos ao Sul fazendo canto ao este com a rua principal cujo n

Hospital da Liga - uma obra para todos

Interessante recobrar a história de construção do Hospital da Liga Operária, o gigante do Bairro Barcelos, que se ergueu sob a batuta do maestro do operariado cachoeirense: o vereador José Nicolau Barbosa. E justamente agora que o município planeja desapropriá-lo para nele instalar o sonhado curso de medicina. José Nicolau Barbosa apresentando a obra do Hospital da Liga Operária - Acervo familiar O sonho do Nicolau, como ficou conhecido o empenho que aplicou sobre a obra, nunca chegou a se realizar, uma vez que a edificação não pôde ser usada como hospital. Ainda assim, sem as condições necessárias para atendimento das exigências médico-sanitárias, o prédio de três andares vem abrigando a Secretaria Municipal de Saúde. Mesmo desvirtuado de seu projetado uso original, mantém o vínculo com o almejado e necessário atendimento da saúde do trabalhador cachoeirense. O Jornal do Povo , edição de 1.º de março de 1964, traz uma entrevista com José Nicolau Barbosa, ocasião em que a reportagem do

Bagunça na 7

Em 1870, quando a moral e os bons costumes eram muito mais rígidos do que os tempos que correm e a convivência dos cidadãos com as mulheres ditas de vida fácil era muito pouco amistosa, duas delas, Rita e Juliâna, estavam a infernizar moradores da principal e mais importante artéria da Cidade da Cachoeira. Diante dos "abusos" e das reclamações, chegou ao subdelegado de polícia da época, Francisco Ribeiro da Foncêca, um comunicado da Câmara Municipal para que ele tomasse as necessárias providências para trazer de volta o sossego aos moradores. Rua 7 de Setembro no século XIX - fototeca Museu Municipal A solicitação da Câmara, assinada pelo presidente Bento Porto da Fontoura, um dos filhos do Comendador Antônio Vicente da Fontoura, consta de um encadernado do Fundo Câmara Municipal em que o secretário lançava o resumo das correspondências expedidas (CM/S/SE/RE-007), constituindo-se assim no registro do que foi despachado. Mais tarde, consolidou-se o sistema de emitir as corresp