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Jornal Rio Grande - não ao anonimato

A Constituição Brasileira de 1891 garantia liberdade de imprensa, porém proibia o anonimato. Os veículos de comunicação escrita, que era os que havia, não podiam publicar matérias sem assinatura dos autores. Uma alternativa para driblar o anonimato era a utilização de pseudônimos, aliás prática bastante comum.

Era obrigação dos administradores municipais exigir dos proprietários de jornais ou revistas a assinatura de um termo de responsabilidade em que se obrigavam atender à legislação federal e estadual, publicando artigos e outros escritos devidamente firmados por seus autores.

No dia 4 de janeiro de 1905, o gerente do jornal Rio Grande, Gustavo Moritz, assinou o documento, comprometendo-se também a comunicar à Intendência eventual mudança de endereço das oficinas tipográficas.

Eis o documento, cuja lavratura foi feita em antigo livro da Câmara Municipal:


Livro de Termos e Autos
- CM/OF/TA-005, fl. 19

Termo de responsabilidade assignado pelo Snr. Gustavo Moritz, como gerente do jornal Rio Grande, que se publica nesta cidade e pertencente a uma sociedade anonyma

Aos quatro dias do mez de Janeiro de mil novecentos e cinco, na Secretaria da Intendencia Municipal desta cidade de Cachoeira, Estado do Rio Grande do Sul, perante o dr. Viriato Gonçalves Vianna, Intendente em exercicio, compareceu o Snr. Gustavo Moritz e declarou que vinha assignar o termo de responsabilidade do jornal chamado "Rio Grande", pertencente a uma sociedade anonyma, e que se publica nesta cidade, à travessa General Osorio.

Nesta occasião, o referido dr. Intendente declarou ao gerente daquella folha que, [ilegível*] do §16 do artigo 71 e §12 do artigo 72 da Constituição da Republica e da do Estado, é prohibido o anonymato na imprensa, cumprindo sejam os escriptos firmados pelos seus respectivos auctores. Outrosim fez-se sentir ao gerente do Rio Grande a obrigação em que ficava de vir declarar a esta Intendencia o logar para onde porventura transfiria as suas officinas typographicas. Art 383 do Cod. Penal. E para constar, eu, Mario Barros, lavrei este termo que assignam o dr. Viriato Gonçalves Vianna e o sr Gustavo Moritz.

[assinaturas de ambos]


O artigo 72, parágrafo 12 da Constituição de 1891 diz o seguinte: Em qualquer assumpto é livre a manifestação do pensamento pela imprensa ou pela tribuna, sem dependencia de censura, respondendo cada um pelos abusos que commeter, nos casos e pela fórma que a lei determinar. Não é permittido o anonymato.

O jornal Rio Grande, de propaganda republicana, havia sido fundado em Cachoeira no ano de 1904, tendo circulado pela primeira vez no dia 20 de setembro daquele ano. O gerente - o mesmo que assinou o termo de responsabilidade na Intendência - era Gustavo Moritz e os diretores Virgílio de Abreu, que viria ser depois um dos fundadores do Jornal do Povo, e Antônio Antunes Araújo, que foi deputado estadual. Quando da fundação, o endereço das oficinas tipográficas ficava na Travessa General Osório. Em 1913, mudou-se para a Rua Sete de Setembro, onde mantinha também uma seção de papelaria.


Rio Grande - edição de primeiro ano de fundação - 20/9/1905

Ao longo de sua trajetória de pouco mais de 10 anos, o Rio Grande estampou em suas páginas artigos assinados por João Neves da Fontoura e Aurélio Porto, dentre outros nomes do republicanismo em Cachoeira. Em algumas ocasiões os articulistas se serviram de pseudônimos, como no caso de João Neves da Fontoura que em embates com sua antiga professora, Cândida Fortes Brandão, assinou com o nome de Maria das Neves...

*Provavelmente abreviatura do Título IV - "Dos Cidadãos Brasileiros".

MR

Comentários

  1. A Constituição de 1891 garantia a liberdade de imprensa e no entanto, falando só em Cachoeira, o jornal A Palavra tinha as paredes esburacadas a bala! Borges de Medeiros e nossos intendentes nunca respeitaram essa liberdade!

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