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Um raro documento

O acervo documental do Arquivo Histórico guarda surpresas, pois tal é a sua riqueza que poderá abastecer os olhares atentos de pesquisadores ainda por um incontável número de anos. Como a história pode ser analisada de diferentes ângulos, muitas vezes um único documento pode oferecer múltiplos vieses de abordagem e exploração de conteúdo. 

O conjunto de documentos que ora se apresenta foi constituído a partir de um requerimento feito por uma viúva ao Palácio do Governo, em Porto Alegre, no ano de 1822. A mulher, moradora na Vila de Taubaté, província de São Paulo, de nome Angela Ramos Vieira, solicitava, por meio de seu procurador Alexandre de Abreu Valle, a posse das terras que seu marido morreu defendendo na província do Rio Grande. O marido de Angela era o capitão de milícias Policarpo Pires Maxado, assassinado pelos infieis e Barbaros Charruas


Requerimento de Angela Ramos Vieira - CM/OF/Requerimentos - Caixa 13


Segundo o que consta no requerimento da viúva, os bens que ela requeria tinham sido sequestrados pelo alcanse em q. estava do Armamento de sua Comp.ª e m.mo de outro mais Armam.to quando em auz.ª do falessido S. Mor Manoel dos Santos Pedrozo ficou encarregado da Frontr.ª de EntreRios (...) e entre os mais bens foi hua Sismar.ª de Campo Denominado Aparecida devedindo pelo Norte com o Arroyo Quarahim merim, pelo Sul com o Arroyo Caatepe cujos Arroyos Sayem da Cox.ª Geral de S.ª Anna e pelo Este com huma vertente q. Devide o Campo onde morou o falecido João Roiz. da S.ª (...).

Ao requerimento da viúva, sucedem-se declarações de vizinhos sobre as divisas e a inexistência de embaraços que impediam a concessão do que ela requeria. 

Analisados os documentos, o Capitão Comandante Interino de Alegrete, Felisberto Nunes Coelho, emitiu despacho favorável ao requerimento de Angela Ramos Vieira em 14 de setembro de 1823. Em 1.º de outubro, foi determinado à Câmara do distrito de onde foi feito o despacho do requerente que procedesse as deligencias do estillo. Como Alegrete era um dos distritos da Vila Nova de São João da Cachoeira, está explicado porque a documentação tem sido resguardada no acervo do Arquivo Histórico.

Feitas as análises preliminares e rasas do conjunto documental, verifica-se o seu grande significado, pois remete aos primórdios da ocupação da zona das antigas Missões, que foi tomada em 1801, sendo um dos tomadores o citado Manoel dos Santos Pedrozo, e desnuda as ocorrências comuns de ataques de índios selvagens às propriedades. Também fica expresso o quanto eram frágeis as documentações que provavam as posses de terras, bem como as divergências das divisas entre uma sesmaria e outra, por carência então de documentos relacionados às doações feitas pela coroa portuguesa. Junte-se a isto tudo, a condição de viúva, incapacitada judicialmente de requerer seus direitos por si, necessitando para tal de um procurador que por ela agisse.

Como se vê, um conjunto de poucos documentos enfeixados a partir de um requerimento oferece uma gama de possibilidades e de comprovações de um contexto histórico bastante remoto no tempo. 

Cachoeira em 1822

Vivas a quem guarda, a duras penas, a memória documental do país!

MR

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