Pular para o conteúdo principal

Abusos em sepultamentos

Os ritos de morte e sepultamento têm mudado ao longo do tempo. O que necessitou de disciplinamento e ensejou legislação específica no decorrer da história são as formas de inumar (sepultar) os corpos e as questões formais para registrar os mortos e as causas das mortes.

Um interessante documento, datado de 4 de dezembro de 1854, emitido pelo delegado de polícia da Vila da Cachoeira, denotava a legítima preocupação com o procedimento que parecia ser comum do sepultamento de mortos sem o devido atestado médico, bem como de pessoas assassinadas sem o conhecimento das autoridades. O delegado de polícia era João Tomas de Menezes Filho e, amparado na legislação, comunicava à Câmara que não permitiria que tais abusos seguissem ocorrendo e que esperava dos vereadores a elaboração de postura correspondente.

Sendo Úm dos maiores abuzos introduzidos nas Parochias deste Termo, o Sepultarem-se Corpos que fallecem de molestia sem que seje prezente aos Vigarios os Attestados dos Facultativos assistentes, e dos que morrem de repente sem o exame da respectiva authoridade Policial, e sem que tenha passado as 24 horas do estillo; pois que, por m.tas vezes tem acontecido interrarem-se pessoas assacinadas, com o frivolo pretexto de haverem fallecido de repente; Cumprindo-me por tanto providenciar para que, não continue a reproduzir semelhantes abuzos; Uzando das atribuiçoens que me confere o §9.º do Art. 58 do Regulam.to de 31 de Janr.º de 1847; vou rogar a V.V.S.S. para q. hajão de fazer cessar esses abuzos por meio de postura, impondo penas fortes aos Contraventores.

Deos Guarde á V.V.S.S.

Delegacia de Policia da Villa da Cachoeira 4 de Dezembro de 1854.

Illm.ºs Snrs. Prezidente, e mais Veriadores da Camara Municipal desta Villa.

(ass.) João Tomas de Menezes F.º


CM/OF/Ofícios - Caixa 12

Um dia depois, a Câmara Municipal registrou resposta à carta do delegado de polícia:

Illm.º Senr. = A Camara Municipal desta Villa, enteirada sobre o que VS.ª representa em seo Officio datado de hontem, e em que reclama providencias desta Camara, afim de se fazer sessar o abuzo entroduzido, de se dar sepoltura aos corpos, sem que proceda attestado do Medico que o tratou, assim como de se não observar o regulamento q. marca o espasso de 24 óras para os corpos serem sepultados; tem de significar-lhe, que tomará em consideração as observações expendidas pelo seo citado Officio. = Deos Guarde a V.S.ª. Paço da Camara Municipal da Villa da Caxr.ª 5 de Dezembro de 1854 = Illm.º Senr. Delgado de Policia do Termo desta Villa. = Antonio Vicente da Fontoura, Verd.ºr Presid.te = O Secretario, Fabiãno Pereira da Silva. -


Resposta da Câmara à solicitação do delegado de polícia - CM/S/SE/RE-002, fl. 147 - 5/12/1854

As posturas de  24 de setembro de 1862 não previram as observações do delegado de polícia, mas é importante ressaltar o quanto a autoridade policial estava atenta aos prováveis delitos que envolviam os sepultamentos, demonstrando preocupação e interesse em coibir abusos e desrespeitos.

MR

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Casa da Aldeia: uma lenda urbana

Uma expressão que se tornou comum em nossos dias é a da "lenda urbana", ou seja, algo que costuma ser afirmado pelas pessoas como se verdade fosse, no entanto, paira sobre esta verdade um quê de interrogação!  Pois a afirmação inverídica de que a Casa da Aldeia é a mais antiga da cidade é, pode-se dizer, uma "lenda urbana". Longe de ser a construção mais antiga da cidade, posto ocupado pela Catedral Nossa Senhora da Conceição (1799), a Casa da Aldeia, que foi erguida pelo português Manoel Francisco Cardozo, marido da índia guarani Joaquina Maria de São José, é mais recente do que se supunha. Até pouco tempo, a época tida como da construção da casa era dada a partir do requerimento, datado de 18 de abril de 1849, em que Manoel Francisco Cardozo: querendo elle Suppl. Edeficar umas Cazas no lugar da Aldeia ecomo Alli seaxe huns terrenos devolutos na Rua de S. Carlos que faz frente ao Norte efundos ao Sul fazendo canto ao este com a rua principal cujo n...

Instituto Estadual de Educação João Neves da Fontoura - 90 anos

O mês de maio de 2019 está marcado por um momento significativo na história da educação de Cachoeira do Sul. No dia 22, o Instituto Estadual de Educação João Neves da Fontoura chegou aos seus 90 anos carregando, neste transcurso de tempo, desafios, dificuldades e conquistas. Muitas crianças e jovens passaram por seus bancos escolares, assim como professores e servidores dedicados à desafiadora tarefa educativa. A história do João Neves, como popularmente é chamado aquele importante educandário, tem vínculos enormes com seu patrono. Em 1929, quando a instituição foi criada com o nome de Escola Complementar, o Dr. João Neves da Fontoura era vice-presidente do estado e há pouco havia concluído uma gestão de grandes obras como intendente de Cachoeira.  Em 1927, ano em que Borges de Medeiros resolveu criar escolas complementares no estado para a formação de alunos-mestres, imediatamente João Neves empenhou-se para que uma destas escolas fosse instalada em Cachoeira, município p...

Série Documentos da Imigração Italiana em Cachoeira: o médico italiano Silvio Scopel

Um dos médicos que mais marcou a história da medicina em Cachoeira do Sul, certamente, foi o italiano Dr. Silvio Scopel que aqui reconstruiu sua vida e viveu por 38 anos. Silvio  Giovanni Giacomo Scopel nasceu em 7 de fevereiro de 1879, na província de Belluno, filho de Giovanni Scopel e Teresa Cricco Scopel. Formou-se médico em 1901, pela Universidade de Pádua, atuando como médico cirurgião e parteiro em diferentes cidades italianas. Em 1906, casou com Margherita Dal Mas, não tendo descendência desta união. O casamento não durou muito, pois Margherita faleceu, causando profunda tristeza no jovem médico. Tal estado de ânimo o fez optar por, na companhia de um colega e amigo, também médico, Dr. Alvise Dal Vesco (também aparece Dalvesco), vir para o Brasil. Sua chegada em Cachoeira se deu no ano de 1912, oferecendo os dois médicos os seus serviços, inicialmente prestados nas farmácias Popular e Nova, na Rua 7 de Setembro. Dr. Silvio Giovanni Giacomo Scopel - MMEL Propaganda do D...