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A revolução de 1893 - alguns documentos

A revolução ocorrida no Rio Grande do Sul entre 1893 e 1895, conhecida como Revolução Federalista ou Revolta da Degola, foi uma das mais cruéis da nossa história. Uma verdadeira guerra civil que refletiu um estado de insatisfação que vinha desde a proclamação da república, em 1889, quando dois eram os partidos políticos dominantes: o Liberal, que então passou a ser o Partido Federalista, e o Conservador que tomou o nome de Partido Republicano. Ambos lutavam pelo poder, defendendo sistemas diferentes. Os federalistas eram parlamentaristas e os republicanos queriam o presidencialismo.

Acampamento na Revolução Federalista - https://www12.senado.leg.br/

No Rio Grande do Sul, o grande porta-voz dos republicanos era o jornal A Federação (Porto Alegre, 1884), dirigido por Júlio de Castilhos, o cachoeirense Ramiro Barcellos, Venâncio Aires e Barros Cassal. Os federalistas, por sua vez, mantinham o seu jornal A Reforma (Porto Alegre, 1862). Nos dois jornais as reações contrárias a um e outro grupo se robusteciam.

Os federalistas, liderados por Gaspar Silveira Martins, ganharam o apoio de grupos oriundos do Uruguai e começaram a arregimentar forças nos municípios para combater o governo de Júlio de Castilhos. Somaram-se a Gaspar os chefes militares Joca Tavares e Gumercindo Saraiva. 

O republicano Júlio de Castilhos, por sua vez, governando com a constituição de 1891 na mão e comandando fortemente a organização política e militar, era duro com os adversários. 

Em Cachoeira, Olímpio Coelho Leal havia assumido a intendência em setembro de 1892. Coube a ele enfrentar as situações que começaram a ocorrer em razão das diferenças partidárias. E tiveram início logo. Um telegrama que lhe foi remetido em 1.º de outubro, pelo chefe de polícia do estado, Antunes Ribas*, dava a medida da situação tensa: 

Delegado conserve presos cabecilhos federaes até ulterior deliberação. Continue exercendo maxima vigilancia manutenção ordem, prendendo pessoas suspeitas. 

Telegrama (1/10/1892) - IM/GI/DA/Telegramas - Caixa 2

E, no dia 22 de outubro, outro telegrama do mesmo Antunes Ribas explicitou a convulsão que se agigantava:

Em vista agitação que parece querer perturbar vida normal estado, e que pode crescer approximação pleito eleitoral, cumpre envidar energia dispersão quaesquer grupos suspeitos, aprehenda armas, conformidade circular expedida, comunicando toda e qualquer ocorrência a esta chefatura; exercendo enfim maxima vigilancia garantia ordem e direitos cidadãos. Peço vosso auxilio esses intuitos

Telegrama (22/10/1892) - IM/GI/DA/Telegramas - Caixa 2

E a situação seguia se agravando, a julgar pelos demais telegramas resguardados na documentação da época. Infelizmente, parte dos registros do período desapareceu, pois em 1910, quando organizou a Seção de Arquivo e Estatística da Intendência Municipal, Aurélio Porto registrou que em 1893 estavam "arquivados diversos ofícios relativos à revolução no estado". Hoje este encadernado referido por Aurélio Porto não se encontra mais no Arquivo Histórico.  

Em 2 de janeiro de 1893, foi concedida a demissão ao intendente Olímpio Coelho Leal. Para seu lugar foi eleito David Soares de Barcellos, dando início ao maior tempo de mandato que um administrador do município teve em nossa história, concluído em 1904. 

David Soares de Barcellos passou a enfrentar o furor da revolução, cujos combates passaram a se avizinhar de Cachoeira, como informou um telegrama enviado por Antunes Ribas em 16 de maio de 1893: 

Nas pontas Ibicuhy feriu-se novo com[ba]te entre forças legaes e revolucionarias [cortada] mando Tavares aquellas General Tel[cortada]. Revolucionarios foram completamente [de]rrotados perdendo cavalhada, carretas, [mu]nições, muito armamento, grande [nu]mero mortos – Viva a Republica. 

 Telegrama (16/5/1893) - IM/GI/DA/Telegramas - Caixa 2

Na colônia Dona Francisca, município de Cachoeira, o tenente-coronel José Marques Ribeiro encaminhou, em 5 de janeiro de 1894, ao intendente David Soares de Barcellos, cópias de correspondências trocadas por Paulo Magnus com o comandante do 1.º Corpo Civil, trazendo a informação de que o povo e famílias andavam alarmados pelos matos. Apesar do medo, tinha deixado de aparecer por lá gente armada. 


Carta de José Marques Ribeiro (5/1/1894) - IM/GI/DA/CR - Caixa 1

Tal como Olímpio Coelho Leal, a pressão da situação conflituosa também pesou sobre David Barcellos, levando-o a pedir demissão do cargo de intendente em 5 de fevereiro de 1894 por ter sido desrespeitado em sua autoridade por um militar. No ato assinado por ele consta o seguinte:


IM/GI/DA/ADLR-002, fl. 13v

Tendo a autoridade militar, coronel Guatemosim**mandado proceder a um recrutamento forçado n'esta cidade, protestei contra elle communicando ao presidente do Estado. Respondendo este que eu não podia organisar força armada sem accordo previo com o mesmo coronel, resolvi renunciar o cargo de intendente municipal, por não poder manter o principio de autoridade e respeito as leis, não dispondo de força para esse fim, entregando ao meu substituto legal, secretario da fazenda, major Marcos G. da F. Ruivo. Telegrafei ao cidadão presidente do Estado pedindo minha demissão”. 

 No entanto, no dia 14, ele recuou da decisão e assinou o Ato N.º 2, em que explicou:  


Ato N.º 2 (14/2/1894) - IM/GI/DA/ADLR-002, fl. 14

(...) tendo cessado, por ordem do Sr. Presidente, o recrutamento forçado no municipio, dando-se liberdade aos cidadãos que forão presos e constrangidos a servir nas forças civis e declarando o Sr. presidente Dr. Julio de Castilhos que não podia nem devia acceitar minha rennuncia, reassumo o cargo de Intendente, por ter conseguido defender os direitos dos municipes

As eleições de 1894 encontraram dificuldades para se realizarem em todo o estado. Várias correspondências de municípios vizinhos davam conta disto. Em Cachoeira, David Soares de Barcellos foi reeleito e entrou no último ano da revolução com outros desafios a vencer, como acudir com armas a ex-Colônia Santo Ângelo pela constante ameaça de grupos de revolucionários, conforme constou na carta remetida por Paulo Magnus Helberg em 21 de maio de 1895:



Carta de Paulo Magnus Helberg (21/5/1895) - IM/GI/DA/CR - Caixa 1

Em 15 de agosto de 1895, quase às vésperas do final da revolução, o tenente-coronel Luiz José de Miranda, acampado junto a Cachoeira, enviou uma correspondência ao delegado de polícia Theodolino Pinheiro Brazileiro rogando que providenciasse a apresentação no dia 16, às 10 horas, dos homens que pertenceram à brigada de Joaquim Thomaz dos Santos e Silva Filho, que se encontravam na cidade. A intenção era colher seus depoimentos, uma vez que testemunharam fatos ocorridos nos corpos da referida brigada quando acampados nas vilas de Soledade e Passo Fundo. Santos Filho teve sob seu comando homens de vários municípios, incluindo Cachoeira.


Correspondência enviada ao delegado de polícia de Cachoeira (15/8/1895)
- Documento avulso da Polícia 

Depois da assinatura da paz em Pelotas, no dia 23 de agosto de 1895, o presidente Júlio de Castilhos enviou uma circular no dia imediato a todos os dirigentes municipais. Em 19 de outubro, novamente ele fez comunicar a todos, informação obtida junto a diversos chefes militares, que estava oficialmente declarada a total dissolução das forças rebeldes, devendo as autoridades acolhê-las com generosidade, amparando-as em seus direitos e bens. Também determinava que levassem ao seu conhecimento, para a devida repressão, qualquer ato que destoasse dos elevados propósitos manifestados.



Carta de Júlio de Castilhos - 19/10/1895 
-  IM/GI/DA/CR - Caixa 1

Ainda que parte da documentação desse conturbado período histórico tenha desaparecido, o conjunto que restou é capaz de dar mostras das dificuldades que permearam os primeiros anos da república brasileira, marcada muito especialmente pela disputa enraivecida do poder. Os herdeiros de tais disputas ainda comprometeriam a paz do Rio Grande por longas décadas.

*Antônio Antunes Ribas.

**Henrique Guatemosim Ferreira da Silva.

MR

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