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Bendito Dr. Balthazar!

O caçapavano Balthazar Patrício de Bem foi daqueles cidadãos bem-sucedidos em tudo que empreendeu. Médico foi sua profissão, mas teve destaque também na pecuária, na indústria, na sociedade de seu tempo e na política. E foi por esta última que acabou encontrando prematuramente a morte, em 10 de novembro de 1924, no levante militar do Barro Vermelho.

Muitas são as notícias sobre os atendimentos médicos feitos pelo Dr. Balthazar de Bem aos cachoeirenses, com destaque para a confiança que os pacientes depositavam em suas habilidades e procedimentos, resultando-lhe fama e popularidade na medicina.

Placa de bronze do médico Dr. Balthazar de Bem - obra de Torquato Ferrari

Formou-se pela Escola de Medicina e Farmácia de Porto Alegre em 1905, quando defendeu a tese Esboço de Geografia Médica do Rio Grande do Sul. Começou a clinicar em Cachoeira pelos idos de 1908, ano em que principiam a aparecer, no jornal Rio Grande, anúncios de seu consultório na Rua Saldanha Marinho, local também de sua residência.

Anúncio no jornal Rio Grande, Cachoeira, 8/1/1908, p. 4

Um de seus mais conhecidos e entusiastas pacientes foi o Dr. João Neves da Fontoura que se refere ao amigo e profissional Dr. Balthazar de Bem em suas Memórias, volume I - Borges de Medeiros e seu tempo, página 89, dizendo: Meu médico, Baltasar de Bem, era um moço cheio de vida, gostando dela. Uma grande vocação clínica, dispersada por múltiplas atividades.  Prossegue na página 209: Baltasar dispunha de grande magnetismo. Era um encantador, um professor de otimismo. E ainda na 228: O médico nos lugares pequenos, se tem cultura, capacidade e densidade moral, entra na órbita dos semideuses. Todas as portas se lhe abrem. É o primeiro nas homenagens e o último nas censuras.

Dr. Balthazar de Bem - Grande Álbum de Cachoeira,
de Benjamin Camozato (1922)

Pelas observações de João Neves da Fontoura é fácil deduzir o poder que o médico Balthazar exercia sobre os pacientes, inflamando-os com seu magnetismo pessoal.

Dentre tantos relatos e agradecimentos que a imprensa local publicava de pacientes atendidos e curados pelo Dr. Balthazar de Bem, um em especial chama a atenção, pois dá mostras do seu conhecimento, perícia, rapidez no diagnóstico e no atendimento. Muito do resultado certamente se deveu aos conhecimentos que Balthazar de Bem tinha sobre os componentes químicos e sua toxicidade, pois antes de formar-se médico havia se diplomado em Farmácia (1902) pela mesma escola em que depois cursou medicina.

Eis o fato relatado no jornal O Commercio, edição do dia 9 de agosto de 1916, publicado à página 2:

Envenenamento.  Sabbado ultimo deu-se, nesta cidade, um caso de envenenamento que por pouco não causou a morte em dezoito pessoas.

Na tarde daquelle dia, a familia do sr. João Antonio da Motta preparou, em sua casa, varias bolaxas e bolinhos de farinha de trigo.

Como é costume, toda vez que a familia do sr. João Motta faz doces em sua casa, mandou varias bolaxas ás familias do capitão Rodolpho Motta, delegado de policia, e do sr. Carlos Gouvêa, thezoureiro da Intendencia Municipal.

Essas familias, ao café da tarde, serviram-se das bolaxas, as quaes, segundo dizem, estavam muito gostosas.

Passados, porém, alguns minutos, começaram a apresentar symptomas de envenenamento todos os que haviam ingerido das referidas bolaxas.

Chamado a toda pressa o dr. Balthazar de Bem, este facultativo poude constatar o envenenamento por terrivel toxico.

Entrando em informações sobre o preparo das bolaxas, o dr. Balthazar descobriu que a familia do sr. João Motta empregára arsenico, em vez de bicarbonato.

Ministrando um antidoto, aquelle clinico deixou fóra de perigo as dezoito pessoas intoxicadas, não obstante o terrivel soffrimento por que passaram, até altas horas da noite de sabbado.

As pessoas intoxicadas foram as seguintes: toda a familia do sr. João Motta, composta de oito pessoas; quatro filhas do capitão Rodolpho Motta; a exma. sra. d. Antonietta Guimarães Gouvêa, esposa do sr. Carlos Gouvêa e mais duas filhinhas suas.

Graças á diminuta dose de arsenico o effeito desse terrivel toxico não foi fatal.

Ao espalhar-se a noticia desse facto as casas dos doentes conservaram-se repletas de amigos.

Esta foi uma das tantas proezas do Dr. Balthazar de Bem, bendito Dr. Balthazar!

MR

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