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Cachoeira - centro de operações dos mosquitos

Interessante como a história se repete e como falta ao indivíduo a capacidade de, espelhando-se nela, mudar o curso das coisas.

Prova inconteste disso, é uma excelente crônica publicada no jornal O Commercio, em 15 de março de 1924, sem indicação do autor, em que o mosquito e as condições que favoreciam o seu habitat não diferem muito do que se vê hoje. E olha que 100 anos faz grande diferença!

https://eu.biogents.com/aedes-aegypti-o-mosquito-da-dengue

Diz o cronista do passado:

Coisas e factos

Quem acompanhar o desenvolvimento da cidade da Cachoeira, não pode deixar de notar que o mosquito vem, pouco a pouco e de par com o progresso, estabelecendo, aqui, seu centro de operações.

Dir-se-ia que essa raça de zumbidores e sugadores nocturnos é um apanagio do progresso si, com antecedencia, não se soubesse que o seu desenvolvimento vem de uma fonte menos nobre.

Porque veiu esse intermino enxame de mosquitos para a cidade? Attrahido pelas arvores e pelas flores das praças? Convidado pela municipalidade a tomar assento na capital da communa? Solicitado pelos nossos dirigentes a comparecer ao concerto d'este progresso que tanto está chamando a attenção dos povos proximos e remotos?

A um chronista de coisas e factos ligeiros não se póde exigir familiaridade com o altiloquo autor das Origens das especies, esse não sei si glorioso ou execravel Darwin que abateu o nosso orgulho com a demonstração de procedermos do macaco, exactamente quando o bicho Homem andava no apogêo da crença de que fôra moldado no Eden, pelas excelsas mãos de Deus, especialmente fadado, por essa origem divina, a ser o privilegiado "Rei da Creação".

Se fosse licita tal exigencia, o chronista começaria por demonstrar que a existencia do mosquito, nesta cidade, nem procede da geração espontanea nem de nenhuma das causas acima apontadas. Demonstraria que esse constante perturbador do nosso somno e, provavelmente o innoculador das muitas febres que andam grassando pela cidade, vem, nada mais, nada menos, que das aguas estagnadas do Lava-pés, combinadas com emanações de outros focos de fermentação.

É dahi certamente que procede esse bichinho infimo que tão grande se faz quando zumbe aos ouvidos da gente suas surdinas nocturnas.

Praza* aos Céos, portanto, que aos ouvidos do intendente elle tambem zumba, por que isso, alliado á reconhecida e louvada solicitude do operoso administrador municipal em bem attender aos reclamos dos publicos melhoramentos, provocará de certo uma louvavel acção tendente a estarrecer as fontes d'onde promana o emmosquitamento da cidade, restituindo aos seus habitantes o gozo incomparavel de dormirem socegadamente.

Se assim não acontecer é porque o digno administrador não quer a desmoquitisação desta florescente localidade.

Para provar que as causas não são outras sinão as apontadas nesta succulenta chronica, basta considerar que antes de fazerem os melhoramentos, em virtude dos quaes se fizeram lagos no curso do Lava-pés e depositos de diversos lixos na barra do Amorim, não existia, aqui, semelhante praga.

Jornal O Commercio, 15/3/1924, p. 1

Dizemos hoje: a infestação de mosquitos, especialmente do Aedes aegypti, tem causado muitos casos da perigosa dengue, verificando-se na cidade focos em que eles se desenvolvem em profusão, sem que as pessoas atentem para evitá-los. Limpeza dos ambientes, eliminação de recipientes que retenham água e medidas de prevenção cabem a cada um de nós.

No entanto, a aparente e inocente crônica que trata dos mosquitos invasores e causadores de febres é, na verdade, uma inteligente e velada crítica à autoridade municipal da época, cujas obras, apesar de serem de melhoramentos, deixaram um rastro propício à sua proliferação.

Canalização na Rua 7 de Setembro - janeiro de 1924 - MMEL 

*Praza: agrada.

MR

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