Pular para o conteúdo principal

Entrevero!

Um entrevero entre guardas cívicos nos faz mergulhar em outras eras:

Estado do Rio Grande do Sul

Quartel do Destacamento da Guarda Civica na Cidade da Cachoeira 30 de Setembro de 1890

Ao Illustre Cidadão Commandante d'este destacamento.

Lévo ao conhecimento de V.ª S.ª que hontem as onze hóras da noute, estando eu no Quartel, e ouvindo grande algazarra, deregime para lá, verificando eu o facto eram déz ou doze individuos que brigavam em um pateo na frente da casa do cidadão Belisario da Cruz Lima, entre os quaes o creolo Fidéles muito embriagado e desatendendo a todos, e estando o portão do dicto pateo aberto, entrei com toda a moderação e calma para ver se consiguia apaziguar aquelle grande conflicto que se dava, não pondendo [sic] eu consiguir o que eu tencionava, vime obrigado a prender o refferido criolo, a ordem do cidadão delegado de Policia, e fiz logo recolher ao xadrez.

Sentindo-me agravado em meos brios de soldado, sob o vosso honrado, e criteriozo commando cumpri-me levar ao conhecimento de vossa S.ª a maneira indigna e insubordinada que tiveram os individuos; Belisario da Cruz Lima, e João Coelho Filho. viéram até a frente da Cadea ambos os individuos, insultaram-me tanto a mim como tambem insultaram a guarda que se achava na cadea, com nomes feios e enjuriózos, e nem se quer respeitarão o Cidadão Liberato Vieira da Cunha, que nesta occazião achava-se junto com nós; o que commonico a V.ªS.ª para os devidos effeitos.

O Cabo Encarregado d'este destacamento

Juvencio José de Freitas



Carta do cabo Juvencio - JM/SOP/CR-Caixa 1

O relato do cabo Juvencio atesta mais um dos tantos episódios que envolvem desentendimentos promovidos pela embriaguez. Documentos como o acima transcrito também são indicativos das rotinas demandadas pela hierarquia militar e o quanto o respeito a autoridades era princípio básico em corporações. Mas também suscita indagações: onde estaria localizado dito quartel? 

Há registros de que o dono da casa que ficava fronteira ao pátio em que o entrevero ocorreu, Belisario da Cruz Lima, possuía um terreno na Rua do Cardoso número 316, atual Rua Riachuelo, e Belisario da Cruz Lima Filho (também aparece Júnior quando funcionário da Intendência) possuía outro à Rua de Santo Antônio número 16, hoje Rua Saldanha Marinho, ambos concedidos pela Câmara Municipal na mesma data: 24 de abril de 1860 (CM/S/SE/RCT-002, folhas 148, 148v, 149 e 150). Qual destas ruas teria servido de palco para o acontecimento? Seria Belisario pai ou filho o que insultou o cabo?

Que Guarda Cívica seria a referida e qual o seu comandante? Por enquanto coloquemos estas indagações no grande questionário que os pesquisadores organizam ao longo de suas jornadas, mesmo sabendo que para muitas delas as respostas não chegarão.

MR

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Casa da Aldeia: uma lenda urbana

Uma expressão que se tornou comum em nossos dias é a da "lenda urbana", ou seja, algo que costuma ser afirmado pelas pessoas como se verdade fosse, no entanto, paira sobre esta verdade um quê de interrogação!  Pois a afirmação inverídica de que a Casa da Aldeia é a mais antiga da cidade é, pode-se dizer, uma "lenda urbana". Longe de ser a construção mais antiga da cidade, posto ocupado pela Catedral Nossa Senhora da Conceição (1799), a Casa da Aldeia, que foi erguida pelo português Manoel Francisco Cardozo, marido da índia guarani Joaquina Maria de São José, é mais recente do que se supunha. Até pouco tempo, a época tida como da construção da casa era dada a partir do requerimento, datado de 18 de abril de 1849, em que Manoel Francisco Cardozo: querendo elle Suppl. Edeficar umas Cazas no lugar da Aldeia ecomo Alli seaxe huns terrenos devolutos na Rua de S. Carlos que faz frente ao Norte efundos ao Sul fazendo canto ao este com a rua principal cujo n...

Instituto Estadual de Educação João Neves da Fontoura - 90 anos

O mês de maio de 2019 está marcado por um momento significativo na história da educação de Cachoeira do Sul. No dia 22, o Instituto Estadual de Educação João Neves da Fontoura chegou aos seus 90 anos carregando, neste transcurso de tempo, desafios, dificuldades e conquistas. Muitas crianças e jovens passaram por seus bancos escolares, assim como professores e servidores dedicados à desafiadora tarefa educativa. A história do João Neves, como popularmente é chamado aquele importante educandário, tem vínculos enormes com seu patrono. Em 1929, quando a instituição foi criada com o nome de Escola Complementar, o Dr. João Neves da Fontoura era vice-presidente do estado e há pouco havia concluído uma gestão de grandes obras como intendente de Cachoeira.  Em 1927, ano em que Borges de Medeiros resolveu criar escolas complementares no estado para a formação de alunos-mestres, imediatamente João Neves empenhou-se para que uma destas escolas fosse instalada em Cachoeira, município p...

Série: Centenário do Château d'Eau

O Arquivo Histórico inicia com esta postagem a Série: Centenário do Château d'Eau , marco a ser comemorado no dia 18 de outubro de 2025. Até que o dia da comemoração chegue, o blog tratará mensalmente de algum assunto relacionado à grande obra de ampliação do saneamento empreendida a partir de 1923 em Cachoeira. Foram aqueles anos de 1920 um divisor de águas na história de Cachoeira do Sul no que se refere a investimentos em serviços básicos. Em razão disto, o município foi dos primeiros do estado a investir em distribuição de água e esgotos. Um belo feito para aquela época! Como resultado de vultosos investimentos, foi há um século inaugurada a segunda hidráulica, que tinha no Château d'Eau e no Reservatório R2 o coroamento estético e funcional daquele momento histórico ímpar. As obras do saneamento obedeceram a diversas etapas a partir de setembro de 1921, quando a primeira hidráulica, junto à Praça Itororó, foi inaugurada. Naquele tempo, apenas a zona baixa da cidade estava ...