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Turno único para aulas públicas

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, instrumento legal que organiza a educação no Brasil, estabelece para o ensino fundamental a duração de nove anos. 

Em seu Artigo 34, a LDB prevê que "a jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola." A lei também estabelece atendimento das necessidades dos educandos, tais como fornecimento de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

Mas nem sempre foi assim. No tempo de D. Pedro II, a instrução pública não era atribuição das câmaras municipais, que eram os órgãos que administravam os municípios. A responsabilidade de organizar, disciplinar e controlar a instrução pública cabia às províncias, equivalentes aos estados federativos que temos hoje. Havia, nas províncias, as diretorias gerais de instrução pública às quais as câmaras municipais se reportavam enviando relatórios de comissões diversas que se responsabilizavam pelas inspeções das aulas públicas e exames dos alunos, dentre outras atribuições. Acima da diretoria da instrução pública estava a autoridade do presidente da província, e suas determinações deveriam ser rigorosamente cumpridas pelos municípios.

No início de abril de 1881, a Câmara Municipal foi destinatária de um ofício da Diretoria Geral da Instrução Pública que invocava portaria da presidência da Província, emitida em 22 de novembro de 1875, que permitia que aulas públicas funcionassem apenas uma vez ao dia. Pelo referido ofício, Adriano Nunes Ribeiro, o diretor da Instrução Pública, alertava que os vereadores não deviam consentir o funcionamento das aulas mais de uma vez ao dia, fato de que estava ciente acontecer.

Ofício da Diretoria da Instrução Pública - 31/3/1881
- CM/S/SIP/Ofícios - Caixa 23

Por conta do ofício, os vereadores comunicaram os juízes de paz dos distritos sobre a instrução, solicitando-lhes que tomassem as providências.

Paço da Camara Municipal da Cid.e da Cachoeira, 9 d'Abril de 1881.

Illmo. Senr.

Em virtude do officio do Director Geral da Instrucção Publica da Provincia, de 31 de Março ultimo á esta municipalidade recommendando que as aulas publicas só funccionassem uma vez ao dia conforme Circular da Presidencia da Provincia de 28 de Desembro de 1875, deve VM.ce dar as necessarias providencias n'esse sentido.

Deos Guarde a V.ª S.ª

Illmo. Senr Juiz de Paz em exercicio, do 1.º destricto da Cachoeira. 

O presidente David Soares de Barcellos 

O Secretario Manoel Teixeira Cavalheiro

(CM/S/SE/RE-010, fl. 165 e 165v)

Ofício aos juízes de paz do 3.º e 4.º distritos - 9/4/1881 - CM/S/SE/RE-010, fl. 165

 Paço da Camara Municipal da Cidade da Cachoeira 9 d'Abril de 1881.

Illmo. Senr.

Não convindo que continuem a funccionar as aulas publicas do municipio, duas vezes ao dia como fasem, e sim uma só vez conforme a Circular de 28 de Dezembro de 1875 e segundo recommendação da Directoria Geral da Instrucção Publica por officio de 31 de Março ultimo á esta municipalidade, deve VMce. dar as necessarias providencias n'esse sentido. Deos Guarde a VMce.

Illmo. Senr. Juiz de Paz do 2.º Districto

Idem aos Juizes de paz do 3.º e 4.º districtos. 

O presidente David Soares de Barcellos.

O Secretario M. T. Cavalheiro

A situação do ensino no município, como de resto nos demais municípios da província, suscitou muitos pedidos de revogação do turno único para as aulas públicas, decidindo a Câmara oficiar ao diretor da Instrução Pública. Como não obteve resposta do diretor, a Câmara oficiou ao próprio presidente da Província, Dr. Francisco de Carvalho Soares Brandão, em 17/8/1881.

Paço da Camara Municipal da Cid.e da Cachoeira 17 d'Agosto de 1881.

Illmo. Exmo. Senr.

Como muito convinha, funccionavão as aulas publicas n'esta Cidade duas vezes ao dia das 8 ás 11 e das 2 ás 4 horas da tarde; e, em virtude da ordem do Director Geral da Instrucção Publica, passarão a funccionar só uma vez ao dia das 9 ás 2 horas. Não podendo porem os meninos supportarem tão longo tempo de trabalho sem irem ás suas casas tomar alguma refeição, para cujo fim veem-se os professores obrigados a suspender os trabalhos até que elles voltem de casa, o que acontece de maneira irregular por não haver tempo fixado para isso, perdendo assim os meninos parte das 5 horas que devião ter de estudos nas aulas, esta Camara resolveu officiar ao Director da Instrucção Publica fasendo-lhe essas ponderações, e pedindo para que as aulas da Cidade continuem a funccionar duas vezes ao dia. Não tendo o referido Director respondido a esse officio com data de 30 d abril ultimo e sentindo esta Camara a continuação d'essa irregularidade no serviço dos professores em prejuiso da instrucção publica d'este lugar, vem rogar a V.ª S.ª para que attendendo a conveniencia de restabelecer-se a ordem que havia nas aulas funccionando duas vezes ao dia, tome em consideração o pedido d'esta Municipalidade

Deos Guarde a V.ª S.ª

Illmo. [?] Senr. Dr. Fran.co de Carvalho Soares Brandão, Dignissimo Presidente da Provincia.

David Soares de Barcellos, João Jorge Krieger, João Claudino de Mello, Julio Corrêa Pinto e Pedro Francisco d'Araujo.

(CM/S/SE/RE-010 fls. 175 a 176)

Em 20 de outubro de 1881, a Câmara recebeu circular da Diretoria de Instrução Pública com o seguinte teor:


Circular do diretor da Instrução Pública - 20/10/1881 - CM/S/SIP/Ofícios - Caixa 23

Directoria Geral da Instrucção Publica

em Porto Alegre 20 de Outubro de 1881

Remetto a VS.ªs alguns exemplares do Regulamento de 21 de Abril do corrente anno, reorganisando a administração do ensino publico primario d'esta Provincia que vigora segunda a lei n.º 1340 de 27 de Maio de 1881.

VS.ªs ficando com um exemplar, dignar-se-ão distribuir os outros pelos professores e autoridades fiscaes do ensino publico nesse municipio.

Para cumprir-se o disposto no §.º 3.º do artigo 4.º, queirão VS.ªs indicar a esta Directoria, com a possivel brevidade, as pessoas que, por sua idoneidade, possão com vantagem occupar os cargos de inspectores escolares, tendo em vista o que decreta o artigo 119 do Regulamento.

Esta Directoria faz o maior empenho para que tenha plena execução as diversas disposições d'este /regulmaneto, para isso conta com o efficaz auxilio d'essa municipalidade que tanta solicitude tem reelado sempre que se trata do desenvolvimento da instrucção popular, base real do progresso social. 

Deus Guarde a VS.ªs

Illmos. Snrs. Presidente e mais Vereadores da Camara Municipal da Cachoeira

O Director Geral

Adriano Nunes Ribeiro

Em vigor o novo Regulamento da Instrução Pública, em seu Artigo 52, ficava determinado que o ensino fosse desenvolvido "em uma sessão diária de cinco horas, podendo o professor dar de vinte minutos a uma hora de ócio". Como se vê, o período do intervalo, uma das reclamações dos professores com o turno único, foi estabelecido. 

Quanto ao Artigo 4.º do regulamento, dizia que o diretor da Instrução Pública era "da exclusiva nomeação do Presidente da Província", sendo a "ele subordinados todos os professores de escolas públicas ou estabelecimentos subvencionados pelos cofres provinciais e quaisquer funcionários da Instrução Pública provincial". No parágrafo 3.º do referido artigo, competia ao Diretor da Instrução Pública "proceder ou mandar proceder a quaisquer exames ou diligências que forem precisas para a adoção de medidas e providências tendentes ao melhoramento do ensino e à boa execução das leis que o regem".

Já o Artigo 119, versava sobre o período de férias que era "contado como serviço efetivo para todos os funcionários da instrução pública".

Ver: https://download.inep.gov.br/publicacoes/diversas/historia_da_educacao/leis_atos_e_regulamentos_sobre_educacao_no_periodo_imperial_na_provincia_de_sao_pedro_do_rio_grande_do_sul.pdf

MR

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