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Empréstimo para custear o saneamento

O grande canteiro de obras que se tornou Cachoeira na década de 1920 necessitou de um aporte financeiro muito além do que os cofres municipais dispunham. Em razão disto e confiada nas boas relações que sempre manteve com o presidente do Estado, Dr. Antônio Augusto Borges de Medeiros, a Intendência Municipal tomou empréstimos. Um deles, necessário para integralizar a quantia do montante que as obras precisavam, obrigou a Intendência a assinar uma nota promissória avalizada pelo Estado, junto ao Banco do Brasil,  no valor de 300 contos de réis:

Governo do Estado

Decreto n.º 3.501, de 24 de Julho de 1925 

                          Autorisa o Thesouro do Estado a avalisar uma nota                                       promissoria de 300:000$000, emittida pela Intendencia  Municipal de Cachoeira em favor do Banco do Brasil.

O presidente do Estado do Rio Grande do Sul, considerando que, em virtude da lei n.º 329 de 15 de dezembro de 1924, foi o governo do Estado autorisado a garantir á Intendencia Municipal de Cachoeira um emprestimo interno até 2.000:000$000, afim de serem completadas as obras de saneamento daquella cidade;

considerando que, por decreto n.º 3.403 de 22 de dezembro de 1924, foi autorisada essa operação com a Caixa Cooperativa Santa-Cruzense, da cidade de Santa Cruz;

considerando porém, que a referida Caixa Cooperativa só realisou o emprestimo até a quantia de 1.700:000$000;

considerando que os alludidos serviços de saneamento exigem mais 300:000$000 para atender a despesas urgentes:

no uso da faculdade que lhe confere a Constituição, art. 20.º n.º 4,

DECRETA:

Art. 1.º - Fica o Thesouro do Estado autorisado a avalisar uma nota promissoria de 300:000$000, no  par e a juros de 9% ao anno, emittida pela Intendencia Municipal de Cachoeira a favor do Banco do Brasil, sendo aquella quantia destinada á conclusão das obras de saneamento da mesma cidade.

Art. 2.º - A Secretaria da Fazenda providenciará para que seja lavrado novo contracto com a Intendencia Municipal de Cachoeira no sentido de ficarem garantidos  os direitos do Estado  nesse aval, e subsistentes, para todos os effeitos, as obrigações das clausulas 12.ª e 18.ª do Decreto n.º 3.403, de 22 de dezembro de 1924.

Art. 3.º - Revogam-se as disposições em contrario.

Secretaria da Fazenda, em Porto Alegre, 24 de julho de 1925. 

A. A. Borges de Medeiros

Antonio Marinho Loureiro Chaves

(O Commercio, 29/7/1925, p. 1).

A respeito dos empréstimos contraídos pelo município, cuja liquidação consumiu décadas de arrecadação e atravessaram o tempo, o tomador à época, então vice-intendente em exercício João Neves da Fontoura, escreveu em suas Memórias, em reconhecimento ao grande auxílio prestado pelo presidente Borges de Medeiros:

O vice-intendente João Neves da Fontoura discursando durante a inauguração da Praça Borges de Medeiros (1927) - MMEL

"Limitei-me, ao fim da entrevista, a pedir-lhe que me garantisse todo o apoio do Estado quanto à solução dos problemas do município, problemas acumulados durante longos anos de espera. Recebi a promessa formal dêsse auxílio, que  jamais me faltou nos meus três anos e meio de Prefeitura. Principalmente a êle é que tem de atribuir-se a transformação não só na fisionomia de Cachoeira, a qual, de burgo triste e desconfortável, se converteu numa das melhores cidades do Rio Grande, como também de todo o município,  beneficiário da solicitude do Presidente do Estado. (...) homem que é, em verdade, o autor e animador dos nossos rápidos e surpreendentes progressos administrativos. Tôdas as obras urbanas, que nestes últimos anos temos tido a felicidade de ver realizadas, quer para dotar a cidade de um serviço modelar de águas e esgotos, quer para pavimentar-lhe as ruas com o calçamento de granito, são principalmente devidas ao interêsse de S. Exa. pelo desenvolvimento dêste município, como, aliás, de todos os outros do Estado." (Memórias, 1.º volume, Borges de Medeiros e seu Tempo, de João Neves da Fontoura. Editora Globo, Porto Alegre, 1969, pp. 338 e 339).

Borges de Medeiros, com grandes laços familiares, afetivos e especialmente políticos com Cachoeira, de fato ofereceu condições favoráveis às grandes obras que se procederam no município ao longo de seu mandato como presidente do Estado. Contribuiu para isto o fato de estar à frente do governo municipal o jovem João Neves da Fontoura, em quem o experiente político depositava expectativas, além de reconhecer nele a fidelidade partidária. E o reconhecimento a Borges de Medeiros veio em 1927, quando seu nome foi escolhido para batizar a praça que abrigava o reservatório enterrado R2, integrante do sistema de distribuição de água da segunda hidráulica, inaugurado junto com o Château d'Eau em 18 de outubro de 1925.

Cachoeira foi guindada a uma das mais modernas cidades do Rio Grande do Sul naqueles anos de 1920. As obras empreendidas à época em boa parte estão aí, testemunhando o seu tempo, dando provas de negociações políticas e de grandes investimentos públicos, mas também de união de interesses em prol do desenvolvimento. 

MR

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