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O nascimento da Ponte do Fandango

Era prefeito municipal o jovem advogado Liberato Salzano Vieira da Cunha e um dos grandes clamores da Cachoeira do Sul de seu tempo era a construção de uma ponte que transpusesse o Jacuí. Imbuído do objetivo de encontrar solução  para concretização deste anseio, Liberato Salzano embarcou para a capital federal, então a cidade do Rio de Janeiro, para tentar junto à Presidência da República meios de construir a ponte. No retorno da viagem, cheio de entusiasmo, o prefeito, que também era um dos diretores do Jornal do Povo, mereceu foto na primeira página e a manchete: Será Construida a Ponte Sôbre o Rio Jacuí

Dr. Liberato S. Vieira da Cunha - MMEL

Logo abaixo da manchete, a chamada: Melhoria nas Condições de Navegabilidade no Mesmo Rio - Obtidas Verbas de Duzentos Mil Cruzeiros, Respectivamente Para a Construção de Uma Escola de Artes e Oficios Para as Obras da Casa da Criança Desamparada - Início da Construção das Casas Populares - Departamento de Fomento à Produção

Jornal do Povo, 1/8/1948, p. 1

No corpo da notícia, o seguinte texto:

Regressou, ontem, via Varig, do Rio de Janeiro, o Prefeito Municipal dr. Liberato Salzano Vieira da Cunha. S. s. desembarcou no Aeroporto local às 13,50, onde foi recebido por grande número de amigos. 

Em rápida entrevista que mantivemos com a s. sria. no momento do desembarque, soubemos que com prévia aprovação do Ministério da Viação o deputado Souza Costa apresentou emenda ao Orçamento da União para 1949, incluindo vérba para o inicio da construção da ponte sôbre o Jacuí. O govêrno do Estado fará o projeto respectivo, conforme assegurou ao dr. Liberato, o dr. Cyro Silveira, novo diretor do DAER em entrevista que mantiveram ontem  pela manhã.

Afirmou-nos ainda o edil municipal, que o Plano SALTE prevê uma verba de treze milhões de cruzeiros para a melhoria das condições de navegabilidade do Jacuí.

Junto aos Ministérios da Justiça e Educação, foram obtidas verba de duzentos mil cruzeiros, para a construção de uma Escola de Artes e Ofícios e para as Obras da Casa da Criança Desamparada.

Também os outros assuntos que levaram s. s. ao Rio, tais como o início da construção das Casas Populares; favores do Ministério da Agricultura para o Departamento de Fomento à Produção, foram satisfatóriamente resolvidos, conforme teremos oportunidade de expor em completa reportagem que publicaremos em uma de nossas próximas edições.

Na edição do Jornal do Povo do dia 8 de agosto de 1948, foi publicada a notícia de que o prefeito Liberato S. Vieira da Cunha compareceu à Câmara de Vereadores, onde proferiu importante discurso e, dentre os tópicos que compuseram a peça oratória, a construção da ponte sobre o rio Jacuí, do qual destaca-se o que segue:

A Ponte Sôbre o Jacuí

Logo nos primeiros dias de nossa permanencia na Capital Federal, fomos levados à presença de S. Excia. o Dr. Clovis Pestana, Ministro da Viação, guiados pela mão cavalheiresca de um seu ilustre amigo e figura de projeção na politica do Rio Grande, o Dr. Francisco Brochado da Rocha.

S. Excia. recebeu-nos com solicitude e distinção. Via-se logo, no interesse com que nos ouviu, a sua grande preocupação pelos problemas que dizem respeito à terra gaúcha. Na verdade o Rio Grande, esquecido por tantos de seus antecessores, tem tido na pessoa de Clovis Pestana, o Ministro que soube dar atenção aos seus problemas e resolve-los com a brevidade que os mesmos exigiam e também com a solicitude que reclamava o prestígio que desfrutamos no concêrto da federação.

Logo que lhe falamos no problema da ponte do Jacuí, S. Excia. mostrou que não era estranho ao mesmo. Ouviu com atenção nossa apaixonada explanação sôbre a velha aspiração da coletividade cachoeirense corrigindo até alguns detalhes de nossa propria exposição. Acentuamos que agora, com a passagem da rodovia Uruguaiana - Guaiba - Porto Alegre, por este Municipio, mais haveria de se fazer sentir a necessidade da construção da referida obra de arte.

O Ministro gaúcho, cujo prestigio se vem formando nas esferas federais, de imediato se mostrou simpático à nossa aspiração.

Como cachoeirense que é, desde logo prometeu nos que tudo faria para ve-la concretizada.

Explicou-nos, entretanto, que já havia enviado o seu plano orçamentário para 1949, à Câmara Federal. Fazia-se mister, portanto, que a verba para o inicio das obras fosse concluida no orçamento como emenda de relator, na Comissão de Finanças da Câmara. Uma vez aceita e aprovada, garantiu-nos S. Excia. que colocaria toda a sua boa vontade e o melhor de seu esfôrço para efetivação da mesma. 

Sempre guiados pelo apôio amigo do deputado Francisco Brochado da Rocha fomos à procura de Arthur de Souza Costa, Presidente da Comissão de Finanças da Câmara Federal, Lider da Bancada Majoritária Gaúcha e nome amplamentemente respeitado e prestigiado no Congresso Nacional.

S. Excia. ouviu nossas aspirações. Tendo residido por vários anos nesta cidade foi também com a mais viva simpatia que se prontificou a apresentar a emenda ao Orçamento da República que votava uma verba de Cr$ 4 000 000 00 para inicio da construção das obras da ponte, em 1949.

Acentuara-nos o Ministro Clovis Pestana que sendo demorados os trabalhos de sondagem para realização do projeto da ponte, o exercicio de 1949 gastaria apenas aquela importância, devendo, então, serem votadas verbas maiores no orçamento de 1950 para continuação das mesmas. As vésperas de nossa partida para o Sul ainda estivemos em contato com o deputado Souza Costa que nos garantiu estar assegurada a inclusão da emenda na Câmara dos Deputados. Tem a emenda apresentada o segunte Titulo: "MINISTERIO DA VIAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS - Verba 4 - Consignação II - Sub-consignação 03-32 - Departamento Nacional de Estradas de Rodagem. Para a construção de uma ponte sôbre o rio Jacuí na cidade de Cachoeira do Sul Cr$ 4.000.000,00

Justificação

O municipio de Cachoeira do Sul, no Rio Grande do Sul, apesar de sua grande produção agricola, entre a qual sobreleva a do arroz, de que é o maior produtor do Brasil, acha-se impedido de enviar seus produtos para o Pôrto da Capital do Estado, por estrada de rodagem, com mais facilidade, em consequencia da falta de uma ponte que ligue a sede municipal à rodovia federal de Uruguaiana a Porto Alegre, embora esta atravesse o territorio do municipio.

Acresce que as grandes colheitas não só do municipio como de toda a região ao sul do Jacuí necessitam ser conduzidas à sede municipal de Cachoeira do Sul afim de serem beneficiadas. Mas a travessia desse rio é feita com os maiores sacrificios para os agricultores e consequente encarecimento do produto.

A emenda que apresentamos visando permitir o acesso normal de zonas agricolas à sede do Municipio e desta à importante rodovia federal já citada, justifica-se pois plenamente, de vez que virá facilitar o escoamento de safras de tanta influencia para a economia do Rio Grande do Sul e do Brasil tais como as do arroz."

Estivemos no Senado Federal onde entregamos ao ilustre senador Ernesto Dorneles a defesa da emenda naquela Casa do Congresso Nacional. S. Excia. deu-nos todo seu apôio e não pôs duvidas quanto à aprovação da nossa verba.

Projeto da Ponte do Jacuí

Aconselhou-nos o Ministro Clovis Pestana a pleitear junto ao Governo do Rio Grande do Sul; fôsse por ele feito o projeto para a nossa ponte. Abusando da bondade e do cavalheirismo do Deputado Francisco Brochado da Rocha, constituimos S. Excia., que nos deveria preceder na viagem ao Sul, nosso advogado junto ao Dr. Walter Jobim. Quando chegamos à Porto Alegre em 30 de julho p.p. ja encontravamos aprovada a nossa reivindicação junto ao Govêrno do Estado. Tivemos, também, oportunidade de palestrar com o Dr. Ciro Mariante da Silveira sôbre detalhes do projeto. 

Assim podemos comunicar aos dignos representantes do povo que dentro em breve o Estado do Rio Grande do Sul, através do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem iniciará os estudos e começará as sondagens para escôlha do lugar onde se construirá em 1949, com a graça de Deus, a ponte sôbre o rio Jacuí.

O discurso do prefeito Liberato Salzano na Câmara de Vereadores trouxe ainda farta explanação sobre o Plano Salte (Saúde - S, Alimento - AL, Transporte - T, e Energia - E) e a canalização do rio Jacuí, sobre a ligação Jacuí - Ibicuí, sobre o novo edifício postal telegráfico e as visitas feitas aos Ministérios da Justiça e da Agricultura.

Depois de ainda referir outros assuntos tratados no Rio de Janeiro, dentre os quais a fundação da Casa Popular, o prestígio do embaixador João Neves da Fontoura na capital federal e a visão política que obteve na visita, o prefeito Liberato Salzano encerrou seu discurso dizendo:

Finalmente com o devido respeito à consciência de cada um dos presentes, quero publicamente declarar que atribuo à infinita bondade de Deus, a cuja Providência recomendei as necessidades desta Comuna, todo êxito da nossa missão.

A Imaculada Conceição Padroeira desta cidade, ouviu a súplica de socorro que lhe dirigimos, cheios de fé e confiança, no dia de posse, em 8 de dezembro de 1947.

Tenho dito.

Construção da Ponte do Fandango (1957) - Acervo Werner Becker

Barragem-Ponte do Fandango - foto Robispierre Giuliani

A Barragem-Ponte do Fandango ainda demoraria mais de dez anos para ser oficialmente aberta ao público depois deste importante e definitivo movimento impetrado pelo prefeito Liberato Salzano Vieira da Cunha. E hoje, diante dos desafios que o tempo tem imposto à velha ponte e das decisões que cercam a sua permanência como importantíssimo canal para o escoamento e fortalecimento da economia municipal, cada vez mais é necessário conhecer e valorizar a sua história. Viva a Ponte do Fandango e todos aqueles que lutaram pela sua construção e ainda empenham seus esforços para a sua manutenção!

MR

Comentários

  1. Isso mesmo, Mirian: viva a Ponte do Fandango!! Passar por ela a cada vez que chego em Cachoeira é sempre um reinício festivo.

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