A preocupação em levantar os cidadãos portadores de
deficiência visual e oferecer-lhes educação já era manifesta pelas autoridades
em meados do século XIX. Portanto, o que parece ser atitude contemporânea é
muito mais antiga do que se imagina.
Em 1854, a Câmara Municipal recebeu a cópia de um ofício
circular do Palácio da Presidência da Província, em Porto Alegre, datado de 3
de março, em que o Ministro dos Negócios do Império determinava que fosse
apresentada uma estatistica
aproximativa dos cegos que existem no Imperio, visto estar a crear-se na Côrte
hum instituto destinado á educação dos jovens cegos. Além dessas informações, sobretudo
o ministro tinha interesse de saber
o numero das familias que possuem crianças em estado de serem admittidas no
dito estabelecimento, e se fôr possivel devem taes dados estatisticos hirem com
documentos assignados pelos Medicos e authoridades civis das Parochias, as
quaes certifiquem que a criança he céga, que a cegueira não tem cura, que não
he idiota, nem tem lesão organica, e bem assim o estado de fortuna de seus Pais
(...)
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Em 17 de abril do mesmo ano, o Subdelegado Isaias Baptista
Roiz’ Pereira respondeu à Câmara o que a circular de 3 de março solicitava: (...) não consta haverem jovens
cégos neste Destrito e que não obtive a informação p.los respectivos
Inspectores como a Camara exigia porque os não há.
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O Juiz de Paz Jozé Gomes Porto, em ofício de 10 de maio de
1854 também respondeu à Câmara que cumpre-me
scientificar a V.S.ª, q.’ nem nesta Freguesia, e nem no seo 2.º Destricto ha
jovem algum dos mencionados na Circular de S. Ex.ª de 3 de Março do corr.e
anno.
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Oliverio Antonio de Athaydes, Subdelegado de Polícia do 3.º
distrito da Vila também respondeu à solicitação da Câmara, dizendo que já obtive as percizas informaçoens
dos Inspetores dos Quarteirões, de todo este Destricto, e que, não há um só
Jovem cego, especialm.e com as qualidades comforme a Circular de
Ex.mo Senr" Prezid.e da Prov.ª.
E finalmente, em 9 de junho de 1854, o Delegado de Polícia
Jacintho Franco de Godoy informou que só me consta existir neste 1.º
Destricto nas circunstancias especificadas na sobredita Circular o Jovem cego
de nome Rufino Carneiro da Silva, de idade de oito annos, filho de Quiteria
Carneiro da Silva, summam.e pobre que não me parece ser idiota nem ter lesão
organica, porem que não sei se a enfermidade que o priva da vista terá ou não
cura.
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Interessantíssimos tais documentos! Não só por
trazerem à luz de nossos dias a intenção de favorecer educacionalmente os
portadores de deficiência visual, quando ainda os ditos normais não tinham
acesso universal à educação, e por revelar a identidade do único portador de
deficiência visual localizado em Cachoeira: um menino de oito anos, de nome
Rufino Carneiro da Silva. Os ofícios de resposta das autoridades dos principais
distritos revelam também a rede de informações que estava disponível,
mostrando-se eficiente no atendimento da solicitação vinda do Império, dentro
da lógica e do emprego de tempo possíveis na época.
*O Estado Brasileiro reconhecia apenas duas deficiências no
século XIX: a cegueira e a surdez. Em 1854 foi fundado, no Rio de Janeiro,
capital do Império, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, atual Instituto
Benjamin Constant. Esta instituição, assim como O Imperial Instituto dos
Surdos-Mudos, criado dois anos após, funcionavam como internatos e
inspiravam-se nos ideais iluministas, objetivando inserir os alunos na
sociedade e ensinar-lhes sobre as letras, as ciências e a religião. Na Europa,
as instituições congêneres eram normalmente assistenciais ou de caridade. No
Império do Brasil, não. Eram consideradas instituições de ensino e, portanto,
afeitas à organização da instrução pública.
*(Fonte: www.bengalalegal.com)
MR
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