Pular para o conteúdo principal

A Vila retratada por Johann Martin Buff

A primeira planta de Cachoeira, trabalho do engenheiro da Comarca Johann Martin Buff, mais do que um retrato da conformação urbana da Vila em 1850, foi um importante instrumento para que as autoridades da época disciplinassem a concessão de terrenos e colocassem em prática, com segurança, as exigências do Código de Posturas vigente desde 1830.

Mas a elaboração da planta não foi tarefa simples. Em primeiro lugar, a Câmara não dispunha na Vila de um profissional capacitado a levantar os dados e registrá-los cartograficamente. Diante da necessidade de disciplinar a concessão de terrenos, demarcar quadras, alinhar ruas e definir a expansão do recinto urbano, em 17 de setembro de 1829 o vereador Manoel Alvares dos Santos Pessôa sugeriu que a Câmara solicitasse à Presidência da Província o envio de um engenheiro para efetuar o serviço. Passaram-se 21 anos até que a planta finalmente fosse confeccionada!

Em 31 de maio de 1849, cientificados de que os trabalhos de levantamento dos dados para elaboração da planta exigiriam a participação dos cidadãos proprietários de terrenos, a Câmara emitiu um edital com o seguinte teor:

CM/OF/Editais - Caixa 12

A Camara Municipal desta Villa, convida atodos os proprietarios de terrenos dentro do recinto desta mesma Villa, queirão apresentar os Titulos de concceção, ou Escriptura de venda dos mesmos terrenos ao Engenheiro da Comarca, Martins Buff, que actualmente aqui se acha, athe o dia quatro do proximo mez entrante, afim de que o mesmo possa vir no conhecimento dos terrenos que se achão de voluto dentro desta Villa. E para que chegue ao conhecimento de todos os habitantes desta Villa, a necessidade de dar-se este conhecimento ao sobredito Engenheiro, se mandou lavrar o presente. Villa da Cachoeira 31 de Maio de 1849.-
Alexandre Coelho Leál
Ver.ºr Presidente
O Secretario
Fabiãno Per.ª da Silva

Os editais eram comunicados oficiais que deviam ter o conhecimento geral dos cidadãos. Assim, para cumprir com sua função, eram afixados em locais públicos de grande visibilidade e circulação de pessoas. Em Cachoeira, certamente o prédio da Igreja Matriz era um destes locais. 

O chamado da Câmara foi atendido. O engenheiro Buff conseguiu levantar e registrar na planta e no cadastro (CM/S/SE/RCT-001 e 003) que a acompanhava 422 terrenos no recinto da Vila, anotando devidamente o nome dos proprietários, o ano da concessão/posse do mesmo, o nome da autoridade que concedeu o título de posse e se os mesmos achavam-se edificados ou não. Por este esplêndido registro, é possível verificar que ruas estavam demarcadas e as denominações que possuíam, quantos terrenos já eram habitados e quantos ainda estavam baldios. E mais: com este importante instrumento na mão, os trabalhos de concessão de licenças para construção e mesmo de ocupação de terrenos ganharam disciplinamento, facilitando imensamente as tarefas do arruador, que era o oficial da Câmara encarregado de medir e delimitar áreas para construção e/ou abertura de ruas.

Planta da Cidade da Cachoeira - 1850 - Johann Martin Buff
- acervo Museu Municipal
A planta elaborada por J. M. Buff sobreviveu inclusive a um incêndio, marcas que carrega em seu delicado suporte de papel. Tentativas de mantê-la íntegra também agrediram sua estrutura, determinando que fosse enviada para restauro por especialista em Porto Alegre. Permanece lá, aguardando o término do restauro e que recursos municipais a resgatem, devolvendo-a em plenitude para que as gerações futuras conheçam o que hoje poderia ser definido como centro histórico, ou seja, o coração da cidade que se expandiu, mas que ainda pulsa em sua conformação original.

(MR)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Casa da Aldeia: uma lenda urbana

Uma expressão que se tornou comum em nossos dias é a da "lenda urbana", ou seja, algo que costuma ser afirmado pelas pessoas como se verdade fosse, no entanto, paira sobre esta verdade um quê de interrogação!  Pois a afirmação inverídica de que a Casa da Aldeia é a mais antiga da cidade é, pode-se dizer, uma "lenda urbana". Longe de ser a construção mais antiga da cidade, posto ocupado pela Catedral Nossa Senhora da Conceição (1799), a Casa da Aldeia, que foi erguida pelo português Manoel Francisco Cardozo, marido da índia guarani Joaquina Maria de São José, é mais recente do que se supunha. Até pouco tempo, a época tida como da construção da casa era dada a partir do requerimento, datado de 18 de abril de 1849, em que Manoel Francisco Cardozo: querendo elle Suppl. Edeficar umas Cazas no lugar da Aldeia ecomo Alli seaxe huns terrenos devolutos na Rua de S. Carlos que faz frente ao Norte efundos ao Sul fazendo canto ao este com a rua principal cujo n...

Instituto Estadual de Educação João Neves da Fontoura - 90 anos

O mês de maio de 2019 está marcado por um momento significativo na história da educação de Cachoeira do Sul. No dia 22, o Instituto Estadual de Educação João Neves da Fontoura chegou aos seus 90 anos carregando, neste transcurso de tempo, desafios, dificuldades e conquistas. Muitas crianças e jovens passaram por seus bancos escolares, assim como professores e servidores dedicados à desafiadora tarefa educativa. A história do João Neves, como popularmente é chamado aquele importante educandário, tem vínculos enormes com seu patrono. Em 1929, quando a instituição foi criada com o nome de Escola Complementar, o Dr. João Neves da Fontoura era vice-presidente do estado e há pouco havia concluído uma gestão de grandes obras como intendente de Cachoeira.  Em 1927, ano em que Borges de Medeiros resolveu criar escolas complementares no estado para a formação de alunos-mestres, imediatamente João Neves empenhou-se para que uma destas escolas fosse instalada em Cachoeira, município p...

Chuvas ameaçam isolar a cidade de importantes centros do estado

"Chuvas ameaçam isolar a cidade de importantes centros do estado". Apesar da similaridade do que tem ocorrido pouco mais de ano depois da grande enchente de maio de 2024, a manchete é de notícia veiculada pelo Jornal do Povo em junho de 1961! Naquele tempo, a Ponte do Fandango tinha poucos meses de trânsito oficialmente aberto, mas já causava preocupação a possibilidade de não haver acesso através dela em razão das chuvas. Ponte do Fandango - Coleção Claiton Nazar Vejamos o que diz a matéria veiculada no dia 25 de junho de 1961, primeira página do Jornal do Povo : Chuvas Ameaçam Isolar a Cidade de Importantes Centros do Estado Cachoeira do Sul vive na iminência de ficar isolada das demais localidades, cujo acesso é feito pela Ponte do Fandango. Basta uma pequena enchente e êsse isolacionismo a que nos referimos estará decretado, uma vez que não mais nos poderemos servir da ponte do Fandango. Isto porque as duas estradas que a ela dão acesso estarão interditadas. Uma delas (a ...