Pular para o conteúdo principal

Segurança - uma ânsia de todos os tempos

As questões de segurança, embora pareçam ser um problema moderno, sempre estiveram no topo das preocupações dos cidadãos cachoeirenses. Ao tempo do início da povoação, ainda no século XVIII, dentre outras, a ameaça de ataques dos índios selvagens, chamados pelos padres de infiéis, atemorizava as famílias dos primeiros moradores. 

No primeiro livro de assentos de óbitos da Diocese de Cachoeira do Sul há registros de mortes provocadas por ataques de índios, como o caso ocorrido em 9 de setembro de 1796, quando foram atacados e desgraçadamente mortos pelos infiéis tupis Maria Pedroza, viúva de 70 anos aproximadamente, a filha Luzia Garcia, viúva, e os netos Roza, solteira, e os menores Felippe, de 10 anos, e Joanna, sete anos. Como se vê, aqueles eram tempos de vida selvagem e abandono à própria sorte...

Houve períodos de revoluções, especialmente a Guerra dos Farrapos, quando por diversas vezes a vila foi tomada ora por legalistas, ora por farroupilhas. O medo andava por todos os lares e os recursos de proteção eram poucos e ineficazes. Depois veio a revolução federalista, quando o pavor espreitava todas as casas e, no primeiro quartel do século XX, todas as revoluções que faziam entrar e sair tropas da cidade, com riscos de assaltos e violações.

Mas não só para se proteger nos conflitos o povo necessitava de segurança, mas também de proteção à espoliação de seus bens. Roubos, incluindo os de escravos, são relatados em documentos da justiça preservados no Arquivo Histórico. Um deles relata o roubo de porcos ocorrido em Restinga Seca, então freguesia de Cachoeira, em 13 de maio de 1830. Naquela ocasião, João Batista de Miranda acusou Florentino Gonçalves Padilha de lhe surrupiar quinze Porcos Capados, e tres pórcas, e hum Leitão...


Auto de Corpo de Delito - Roubo de Porcos - 13/5/1830
- Documentos da Justiça

Nas décadas de 1920/1930, quando a cidade em franco desenvolvimento já ostentava belas moradias, os casos de furtos a residências e de larápios sendo surpreendidos em estabelecimentos faziam parte da rotina. Para oferecer segurança às famílias, além de assistência em emergências, foi criada a Guarda Nocturna Particular da Cidade de Cachoeira, cujo regulamento foi impresso e chegou até nossos dias graças a um arquivo particular.

Regulamento da Guarda Noturna Particular
- AP Arquivo Histórico

A Guarda Noturna Particular da Cidade de Cachoeira tinha obrigações e regras expressas em cinco artigos no seu regulamento:
1.º - A Guarda Nocturna Particular é um corpo de segurança que tem por fim prestar serviços àquelles que se inscreverem como assignantes, guardando as propriedades, bem assim, prestando aos mesmos, auxilios que, em qualquer emergencia se tornem necessarios.
2.º - Entre os serviços que a Guarda Nocturna Particular deve prestar aos seus assignantes contam-se os seguintes: Chamar medicos, parteiras, Assistencia Publica, etc.
3.º - Só será admittido ao serviço da Guarda o candidato que apresentar attestado de conducta fornecido pela Chefatura de Policia e provar saber ler e escrever e não soffrer de molestia que o impossibilite ao desempenho de suas funcções.
4.º - Durante o serviço os guardas usarão um distinctivo approvado pela Municipalidade, afim de serem facilmente identificados. Os assignantes terão tambem um distinctivo para se fazerem conhecer no momento de ser invocado o auxilio do guarda particular.
5.º - Se qualquer cousa ouver o guarda irá ao telephone mais proximo e communicar-se-á com a guarda da Sub-Prefeitura, afim de tornar mais efficaz o auxilio.

A seguir, o regulamento trata do DEVER DO GUARDA:
1.º - Logo que entrar de ronda, verificar [rasgado] portas das casas dos assignantes acham-se fechadas.
2.º - Acompanhar o assignante e despertal-o, ou pessoa de sua familia, todas as vezes que lhe for ordenado.
3.º - Transmittir recado do assignante para qualquer pessoa que resida no perimetro da quadra em que acha-se destacado.
4.º - Fazer aviar receitas na pharmacia, chamar medico ou parteira.
5.º - No caso de incendio, dar immediato aviso pelo telephone a Sub-Prefeitura.
6.º - Tratar com urbanidade a todas as pessoas que se lhe dirijam, ainda mesmo que estas procedam de modo diverso.
7.º - Levar ao posto mais proximo pessoas suspeitas que conduzirem, a noite, volumes ou objectos cuja procedencia não saibam explicar.
8.º - Não intervir em desordens, a não ser que para isso o guarda policial peça a sua intervenção.
9.º - Ter irreprehensivel conducta.
10.º - Não abandonar o serviço em que se acha destacado, sob pretexto algum.
11.º - Não falhar ao serviço sem aviso previo, sob pena de na primeira vez ser multado (10$000) e pela segunda demittido.
12.º - Havendo luz nas casas dos assignantes, horas mortas, verificar a causa.
13.º - Apresentar-se nas horas de serviço com fardamento limpo, assim como os distinctivos e convenientemente calçado, sob pena de demissão.
14.º - O guarda entrará de ronda no inverno ás 22 horas e no verão, ás 22 1/2 horas até o clarear do dia, de modo a se divulgar qualquer vulto na distancia de duas quadras.
15.º - Todos os guardas, depois de retirarem-se de seus postos terão que comparecer à Sub-Prefeitura.
16.º - Durante o serviço todos os accidentes, serão notificados para communicar ao escriptorio.
17.º - Todo o guarda que fôr encontrado dormindo ou alcoolisado, em seu posto, será punido severamente.

Como se vê, a Guarda Noturna Particular oferecia bem mais do que segurança, mas assistência e socorro nas necessidades dos contratantes de seus serviços. Longe vai na memória dos mais velhos a figura do guarda noturno, sujeito que varava as noites em vigília e, vez em quando, soava um apito, dando tranquilidade e bom sono a todos.

MR

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Casa da Aldeia: uma lenda urbana

Uma expressão que se tornou comum em nossos dias é a da "lenda urbana", ou seja, algo que costuma ser afirmado pelas pessoas como se verdade fosse, no entanto, paira sobre esta verdade um quê de interrogação!  Pois a afirmação inverídica de que a Casa da Aldeia é a mais antiga da cidade é, pode-se dizer, uma "lenda urbana". Longe de ser a construção mais antiga da cidade, posto ocupado pela Catedral Nossa Senhora da Conceição (1799), a Casa da Aldeia, que foi erguida pelo português Manoel Francisco Cardozo, marido da índia guarani Joaquina Maria de São José, é mais recente do que se supunha. Até pouco tempo, a época tida como da construção da casa era dada a partir do requerimento, datado de 18 de abril de 1849, em que Manoel Francisco Cardozo: querendo elle Suppl. Edeficar umas Cazas no lugar da Aldeia ecomo Alli seaxe huns terrenos devolutos na Rua de S. Carlos que faz frente ao Norte efundos ao Sul fazendo canto ao este com a rua principal cujo n

Hospital da Liga - uma obra para todos

Interessante recobrar a história de construção do Hospital da Liga Operária, o gigante do Bairro Barcelos, que se ergueu sob a batuta do maestro do operariado cachoeirense: o vereador José Nicolau Barbosa. E justamente agora que o município planeja desapropriá-lo para nele instalar o sonhado curso de medicina. José Nicolau Barbosa apresentando a obra do Hospital da Liga Operária - Acervo familiar O sonho do Nicolau, como ficou conhecido o empenho que aplicou sobre a obra, nunca chegou a se realizar, uma vez que a edificação não pôde ser usada como hospital. Ainda assim, sem as condições necessárias para atendimento das exigências médico-sanitárias, o prédio de três andares vem abrigando a Secretaria Municipal de Saúde. Mesmo desvirtuado de seu projetado uso original, mantém o vínculo com o almejado e necessário atendimento da saúde do trabalhador cachoeirense. O Jornal do Povo , edição de 1.º de março de 1964, traz uma entrevista com José Nicolau Barbosa, ocasião em que a reportagem do

Bagunça na 7

Em 1870, quando a moral e os bons costumes eram muito mais rígidos do que os tempos que correm e a convivência dos cidadãos com as mulheres ditas de vida fácil era muito pouco amistosa, duas delas, Rita e Juliâna, estavam a infernizar moradores da principal e mais importante artéria da Cidade da Cachoeira. Diante dos "abusos" e das reclamações, chegou ao subdelegado de polícia da época, Francisco Ribeiro da Foncêca, um comunicado da Câmara Municipal para que ele tomasse as necessárias providências para trazer de volta o sossego aos moradores. Rua 7 de Setembro no século XIX - fototeca Museu Municipal A solicitação da Câmara, assinada pelo presidente Bento Porto da Fontoura, um dos filhos do Comendador Antônio Vicente da Fontoura, consta de um encadernado do Fundo Câmara Municipal em que o secretário lançava o resumo das correspondências expedidas (CM/S/SE/RE-007), constituindo-se assim no registro do que foi despachado. Mais tarde, consolidou-se o sistema de emitir as corresp