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Nós colonos... abaixo-assinados

O grande município de Cachoeira no início do século XX abarcava vários distritos, muitos deles importantes zonas de produção e onde viviam e trabalhavam famílias de imigrantes. Em 1910, a Várzea de Dona Francisca integrava o 6.º distrito de Cachoeira, e concentrava população de origem italiana, predominantemente, e germânicos. 

As demandas dos distritos eram submetidas a um subintendente que, por sua vez, as encaminhava ao intendente do município de Cachoeira para que as providências fossem tomadas. Muitas vezes, as necessidades esbarravam em todo tipo de problema, especialmente na falta de recursos da municipalidade. Com o passar do tempo, a dependência e a inoperância, ou ineficiência das autoridades municipais com relação aos distritos, acabaram por criar o desejo de desmembramento. Dona Francisca, por exemplo, requereu sua emancipação em 1959, desmembrando-se de Cachoeira do Sul com Faxinal do Soturno em 12 de fevereiro daquele ano. Só em 1965 é que, finalmente, conseguiu emancipar-se de Faxinal.

Um abaixo-assinado de colonos residentes na Várzea de Dona Francisca, datado de 27 de março de 1910, dá a medida dessa situação de dependência da sede do município e também demonstra o espírito de coletividade que animava os colonos para, com união de esforços, conseguirem construir uma ponte extremamente necessária sobre o sangradouro que havia no lugar. No documento, expressavam toda a preocupação com os riscos que corriam quando as cheias repentinas de inverno chegassem. Para reforçar o pedido, ofertavam à Intendência serviços e material, dependendo apenas da contratação de mão-de-obra para a tão sonhada ponte. Assinam o documento 76 colonos:




IM/OPV/CCP/Requerimentos - Caixa 16

Ill.mo. Snr. Coronel Isidoro Neves da Fontoura

Os abaixo firmados, colonos residentes no 6.º Destricto dêste termo, no lugar denominado - "Varge de D.ª Francisca", ou margem esquerda do Rio Jacuhy.

Vimos perante V.Ex.cia solicitar pela segunda vez, a imprescindivel construção de uma ponte sobre o sangradouro que circula o referido lugar, que, independente dos prejuizos materias [sic] que soffrem os supplicantes, accressem-lhes ainda o grande risco de vida que estão sugeitos em todas as estações invernosas pela cheia repentina do Rio Jacuhy, collocando-os em apertado e perigoso circo com suas familias e interesses como já aconteceu, onde foram victimas algumas pessoas, e, completamente perdidos agua abaixo todos os seus interesses.

Confiando que V.Ex.cia. pelo grande auxilio que se propõe prestar ao Municipio os infra-assignados, para que não seja o referido Municipio onerado com grande somma para a construção da necessaria ponte. Propomo-nos: A entrar com todo o madeiramento, e auxilio no movimento de terra para os atterros necessarios e, fazendo parte dos infra-assignados o assignatario Guilherme Simonn [sic], passageiro actual do passo D.ª Francisca sitiado no referido local, assume a responsabilidade pessoal, uma vez, em vias de construção a citada ponte de: A sua custa conservar em bôa ordem toda a extensa picada existente a referida margem do Rio, e pagar annualmente á Intendencia Municipal a importancia de 100$000 pela arrematação do passo; o que actualmente não lhe convém pagar a metade, pela falta da alludida ponte.

Desnecessario seria nós relatar aqui, os grandes proveitos que trará a construção prompta desta obra; onde o Municipio pelo que fica exposto, só terá que chamar concurrencia para a mão de obra; ficando desse modo, dotado de um melhoramento importante e por commodo preço, tendo-se em vista o grande auxilio que nos obrigamos a prestar.

Certo que V. Ex.cia. fará Justiça ao nosso justo pedido, esperamos o deferimento no presente. 

6.º Destricto da Cachoeira 27 de Março de 1910.

Guilherme Simon

Alberto Karkow fl.º

Alberto Karkow snr.

A[?] Karkow

João Ziani

Mozé Mezomo

Mezzomo Giovani

Jose Comazetti

Frederico Martini

C. Gustavo Lang

Giuseppe Cassol

Olindo Martini

seguem as assignaturas Na pagina 3.

Giacobe Cassol

Francesco Dambros

Angelo Grotto

Romano Grotto

Manoel Pernambuco

João Ladislau do Carmo

Olinto Socal

Virgilio Segabinazi

Antonio Bortolotto

José Pippi

Maximiliano Dalcin

Leonel Zinelli

Tiziano Sonego

Augusto Losekann

Pedro Vogel

Jacob Dreher

Philippe Herrmann

Antonio Cardoso da Silva

Angelo Morin

Fioravante Cassol

Dionizio Marin

Antonio Marin

Francesco Marin

Fantinel Luigi

Angelo Fantinel

Domingo Reck

João De David

Domenico Regasson

Domingo Martini

Antonio Mezzomo

Domingo Mezome

Guilhermo Mezome

seguem as assignaturas Na pagina 3.

João Giuliani

Giuliani Giacomo

Marcelino Galiani

Narciso Giuliani

Giuliani Olimpio

Kegler & Gaupp

Lorenzo Martini

Casimiro Martini

Giuseppe Bastiani

Giovani Bastiani

Luis Bastiani

Leopoldo Bastiani

Carlos Bastiani

Leonardo Garske

Bemjamim Segabinazzi

Felippe Segabenazzi

Batista Bortolim

Antonio Leonardi

Francisco Guaquim Alves

Guilherme Schiefelbein

August Frieberg

Carlos Streck

Wilhelm [?] [?]

Wilhelm Freiberg

Ferdinand Gappen

Adolf Gappen [?]

Carl Graffunder

O[?] Simon

Carlos Simon

Bruno Simon

Ignacio Camargo

Abrilino José Correia

A informação foi prestada peçoalmente. O Sub-intendente Dionysio da Fonseca Reys

9-5-1910

Os signatários do documento aludem que o pedido de construção da ponte estava sendo feito pela segunda vez, o que denota a demora no atendimento. Pelas anotações que o requerimento tomou em seu trajeto dentro dos setores da Intendência, constata-se que daquela vez os colonos atingiram o seu intento, ainda que a resposta positiva tenha sido dada pelo intendente Isidoro Neves da Fontoura quase três meses depois, ou seja, em 1.º de junho de 1910.

Disse o intendente: 

Ao Sr. Sub-intendente do 6.º distr.º p.ª informar.

                                                               I. Neves

Logo abaixo da autorização do intendente, o sinal do atendimento:

Attendidos em vista da informação 1.º - 6 - 1910

Era subintendente do 6.º Distrito Dionysio da Fonseca Reys.

Documentos como o acima transcrito, codificado como IM/OPV/CCP/Requerimentos - Caixa 16, mais do que registrar os nomes dos colonos que habitavam a Várzea de Dona Francisca em 1910, o que já constitui uma grande preciosidade, consegue contextualizar os trâmites empreendidos para obtenção do que deveria ser obrigação do poder público para com os cidadãos. Mas além de tudo isso, o documento dá uma lição que parece ter se perdido com o tempo: que a união faz a força, que as necessidades, mesmo que nasçam individuais, só se concretizam quando se tornam coletivas.

MR

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