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O bodoque da meninada

Pelo transcurso do Dia Mundial do Meio Ambiente, 5 de junho, rememora-se uma prática de antigamente, nada recomendável, que era o uso de bodoques, ou estilingues, como brinquedo pelos meninos. 

O bodoque na verdade difere um pouco do estilingue, embora sejam empregados quase como sinônimos. O primeiro se caracteriza por utilizar um arco e o segundo por ser montado em uma forquilha de madeira com uma alça de borracha. Pois bem, um ou outro, não tão antigamente, eram usados pela meninada para alvejar animais, especialmente passarinhos. Seu uso desta forma irresponsável, apesar de aceito e até incentivado pelos pais de outrora, transformou-se em prática predadora e totalmente sem sentido. Além de dizimar animais inocentes, a meninada também causava estragos aos bens públicos e privados. Não raro vidraças eram estilhaçadas a pedradas de estilingue!

Na Cachoeira de 1927 provocava desconforto o uso demasiado deste brinquedo grotesco na Praça Dr. Balthazar de Bem, causando preocupação em algumas pessoas que já entendiam,  naqueles tempos de total ignorância da importância de preservação da natureza, o quanto era preciso respeitar o meio ambiente. Mas não eram só os passarinhos e outros alvos vivos as vítimas da gurizada. Também o mobiliário urbano, especialmente as novíssimas lâmpadas "Nova Lux", novidades que chegaram com a inauguração do Château d'Eau, passaram a ser depredadas pelos vandálicos bodoqueiros!

O jornal O Commercio, editado em 27 de abril de 1927, traz um apelo neste sentido:

O bodoque da meninada - que tantos damnos já tem causado no deshumano exterminio dos passarinhos, auxiliares preciosos da agricultura em geral, pelo consumo que fazem dos insectos e larvas que atacam as plantas e as arvores frutiferas, escolheu, agora, um alvo mais facil de attingir: os elegantes e grandes globos que envolvem as lampadas da iluminação publica.

Na praça Balthazar de Bem, ás barbas da policia, que não póde collocar uma patrulha ao pé de cada combustor, já quebraram alguns globos, e, em um destes ultimos dias a menina Ady, filha do sr. Alcides Machado, foi attingida e ferida num pé, por uma pedra impellida por bodoque, quando se achava no pateo de sua residencia, ficando impossibilitada de caminhar, durante alguns dias.

Que fazer para evitar a continuação desse abuso, fructo da reunião da molecada naquella praça? A vigilancia da policia é illudida pela esperteza da meninada, cumprindo aos paes desses menores que os aconselhem para melhor caminho e evitem que seus filhos carreguem bodoques, causa da quebra de muitas vidraças e telhas nas habitações.

Aqui deixamos o appello, com o que pretendemos evitar a continuação do abuso e tambem impedir que a policia seja obrigada a tomar medidas extremas, que venham a vexar os travessos meninos e os seus paes. 

Igreja Matriz e Château d'Eau com os globos de iluminação - Fototeca MMEL

Vista geral da Praça Dr. Balthazar de Bem com os globos de iluminação
- Fototeca MMEL

Cachoeira do Sul evoluiu bastante de 1927 para cá, mas as práticas de abuso ao meio ambiente e também ao patrimônio público e privado seguem ocorrendo das mais variadas formas. Muitas vezes a população fica refém de atos de vandalismo porque os mecanismos de correção e disciplinamento falham ou não conseguem eliminar as ocorrências. Tal cenário só será mitigado à medida que a sociedade entender a importância de investir em educação e conhecimento, salvaguardando assim o seu meio ambiente, aqui entendido como o lugar em que vivemos e interagimos com o espaço natural e social.

MR

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