Pular para o conteúdo principal

Levante militar no Barro Vermelho - 10 de novembro de 1924

A edição do jornal O Commercio (Cachoeira, 1900-1966) do dia 12 de novembro de 1924 traz detalhada notícia sobre o levante militar do 3.º Batalhão de Engenharia, sediado em Cachoeira, cujo desfecho se deu no Barro Vermelho, interior do município, onde pereceram o Dr. Balthazar de Bem e o jornalista Fábio Leitão.

Fábio Leitão - acervo familiar
Eis a notícia, transcrita com atualização da grafia, exceto dos nomes próprios:

Sábado último, desde cedo, começaram a circular na cidade vários boatos de que o 3.º Batalhão de Engenharia, aqui aquartelado, se sublevaria para atacar a Intendência Municipal e tomar conta da cidade.
Imediatamente as autoridades municipais, em ação conjunta com a comissão executiva do Partido Republicano local, tomaram várias providências, preparando a defesa da cidade, lançando mão do contingente de 80 homens vindos do 4.º distrito, sob o comando do capitão Avelino Carvalho Bernardes, subintendente dali, para fazer parte do corpo auxiliar da Brigada Militar que se achava em organização, bem como da Guarda Municipal e de grande número de civis republicanos que espontaneamente acorriam à Intendência para oferecer os seus serviços na defesa da legalidade.
Tomando assim todas as medidas que as circunstâncias exigiam os Drs. Balthazar de Bem e João Neves da Fontoura, membros da comissão executiva, tiveram, às 10 horas da noite de sábado, longa conferência com o Exmo. Sr. Dr. Presidente do Estado, enquanto o Dr. Annibal Loureiro se entendia, pessoalmente, com o Coronel José Armando, Comandante do 3.º Batalhão de Engenharia, que se achava no quartel dessa força do Exército.
Nada havendo de anormal àquela hora no quartel e nada desconfiando da atitude de rebeldia dos seus comandados e de todos os oficiais, que continuavam a protestar inteiro apoio ao governo legal, o Sr. Coronel Comandante mandou apenas reforçar a guarda do depósito de munição, retirando as chaves do mesmo.
Às 4 horas da madrugada de domingo, porém, o Sr. Coronel Comandante, notando grande ruído no quartel, vestiu-se apressadamente e indo verificar o que havia, foi intimado por um sargento que empunhava um revólver a se render.
Arrebatando o revólver das mãos do sargento revoltoso, o Sr. Comandante disse que se não rendia para subalterno algum, mandando vir à sua presença o chefe dos revoltosos que disseram ser o Capitão Fernando Távora.
Este oficial revoltoso, que até a última hora dera a sua palavra de honra que nada aconteceria, declarou então ao Coronel José Armando que todo o Batalhão havia se revoltado e por isso o intimava a entregar as chaves do quartel.
Desta forma, nada mais pôde fazer o Sr. Coronel Comandante, bem como os demais oficiais Major José Bentes Monteiro e Capitão Helio Cota que, nesse ínterim, chegaram ao local, os quais se conservaram fiéis ao governo, com os seguintes inferiores: sargento ajudante Symphronio Benicto dos Santos, 2.ºs. sargentos Luiz Martins do Espirito Santo Sobrinho, Manoel Telesphoro Vieira, Amador Soares, 3.ºs. sargentos Maximiliano Symauscki, Benedicto Lopes Pimenta, Carlos Espirito Santo, Carlos Daniel Iserhardt Filho, João Luiz Borges e Eurico Paranhos, cabos Oscar Assenheimer e Feliciano Severo Rodrigues e soldado José Penso.
Preparando-se desordenadamente, os revoltosos, em número de 118, dos quais muitos reservistas há poucos dias incorporados em virtude da convocação feita, depois de carregarem alguma munição e armamento, em pequenas carroças, seguiram em direção ao Passo do Seringa, no rio Jacuí.
A esse tempo, já a Intendência recebia comunicação de que o sargento Julio Siqueira, da Guarda Municipal, havia sido preso pelos revoltosos, quando fazia reconhecimento na Ponte da Aldeia.
Imediatamente, sendo chamados com urgência pelo Sr. Capitão Francisco Gama, compareciam à Intendência os doutores Balthazar de Bem e João Neves.

Dr. Balthazar de Bem e Dr. João Neves da Fontoura 
O Dr. Balthazar de Bem, a fim de verificar, de visu, o que havia de certo, em companhia do nosso companheiro de redação Emiliano Antonio Carpes, se dirigiu para o quartel do 3.º Batalhão de Engenharia, onde encontraram apenas os oficiais e os inferiores acima referidos, que se conservaram fieis à legalidade.
Depois de explicar o que tinha ocorrido, o Sr. Coronel Comandante do 3.º Batalhão pôs à disposição da Intendência cerca de cem fuzis Mauser, bem como granadas de mão que os sediciosos haviam deixado e oferecendo, com o Sr. Major José Bentes e Helio Cota, os seus serviços para combater os revoltosos.
Estes, que haviam seguido para o Passo do Seringa, transpuseram o rio e, depois de acamparem na Estância da Boa Vista, se dirigiram para o 3.º distrito, vadeando o Irapuá, a fim de tomarem a estrada de Caçapava.
Entre as providências tomadas, de ativar a organização do corpo auxiliar da Brigada que já contava com 120 homens, ficou assentada a vinda de uma companhia da Brigada Militar que se achava aquartelada em Santa Maria.
Esta força pública, porém, só pôde chegar aqui às 21 horas de domingo, sob o comando do Capitão Pedro Vaz, em trem especial, sendo recebida na estação da via férrea por uma banda de música e pela população da cidade, que em massa foi recebê-la.
Perfeitamente armada e equipada, a briosa força pública desembarcou com muita ordem e presteza, se dirigindo ao edifício da Intendência, recebendo, no trajeto da estação à Praça Tamandaré, as aclamações do povo que vivava os heroicos defensores da legalidade.
Depois de uma ligeira refeição e do apresto necessário em automóveis e caminhões especialmente requisitados, essa força pública, às 3 horas da madrugada de segunda-feira, precedida de um pequeno contingente de cavalaria sob o comando do Capitão Avelino Carvalho, iniciava a marcha para o Passo de São Lourenço, a fim de dar combate aos inimigos da ordem e da legalidade.
Transposto esse passo aos primeiros alvores da manhã de segunda-feira, às 10 horas já a heroica companhia, sob o comando do Coronel José Armando e com o concurso de inúmeros civis, como os senhores doutores Balthazar de Bem, Annibal Loureiro e Glycerio Alves, Silecio Pinós e outros, entrava em contato com os revoltosos, ficando-lhes à retaguarda.
Entrincheirando-se no cemitério existente no lugar denominado Barro Vermelho, no 3.º distrito, os revoltosos desenvolveram, desordenadamente, fogo intermitente, enquanto a companhia da Brigada Militar procurava envolvê-los, poderosamente auxiliada pelo pequeno piquete de cavalaria que fazia contínuas e cerradas cargas.
Os heroicos defensores da legalidade foram, assim, com toda a regularidade, desalojando pouco a pouco os revoltosos, até que à noite já estavam completamente destroçados.
A força legal apreendeu 200 fuzis Mauser, grande cópia de munição, cinco carroças, tendo ficado prisioneiros 13 dos revoltosos, que sofreram grandes perdas, entre feridos e mortos, inclusive o Sr. Fábio Leitão, que deixa viúva e filhos pequenos.
Da parte da legalidade tivemos a lamentar a morte do Dr. Balthazar de Bem, deputado estadual, vice-intendente deste município e membro da comissão executiva do Partido Republicano, que foi ferido mortalmente quando afoita e denodadamente combatia à frente da força legal.
A força da Brigada teve a registrar a morte de uma praça, três feridas levemente e uma gravemente.
Da presa de guerra consta também a espada do capitão revoltoso Fernando do Nascimento Távora, único oficial que traiu o governo.
A força rebelde deixou também extraviada muita munição.

Tendo conseguido o desbarato completo dos revoltosos, a força legal estava ontem, à tardinha, transpondo o Passo de S. Lourenço de regresso para esta cidade.

Comentários

  1. Muito interessante conhecer a participação de meu avô materno, Luiz Martins do Espirito Santo Sobrinho, na reconstituição da ordem na ocasião. Obrigado!

    ResponderExcluir
  2. MUITO LEGAL CONHECER PARTE DA HISTORIA DO NOSSO RIO GRANDE

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Casa da Aldeia: uma lenda urbana

Uma expressão que se tornou comum em nossos dias é a da "lenda urbana", ou seja, algo que costuma ser afirmado pelas pessoas como se verdade fosse, no entanto, paira sobre esta verdade um quê de interrogação!  Pois a afirmação inverídica de que a Casa da Aldeia é a mais antiga da cidade é, pode-se dizer, uma "lenda urbana". Longe de ser a construção mais antiga da cidade, posto ocupado pela Catedral Nossa Senhora da Conceição (1799), a Casa da Aldeia, que foi erguida pelo português Manoel Francisco Cardozo, marido da índia guarani Joaquina Maria de São José, é mais recente do que se supunha. Até pouco tempo, a época tida como da construção da casa era dada a partir do requerimento, datado de 18 de abril de 1849, em que Manoel Francisco Cardozo: querendo elle Suppl. Edeficar umas Cazas no lugar da Aldeia ecomo Alli seaxe huns terrenos devolutos na Rua de S. Carlos que faz frente ao Norte efundos ao Sul fazendo canto ao este com a rua principal cujo n

Hospital da Liga - uma obra para todos

Interessante recobrar a história de construção do Hospital da Liga Operária, o gigante do Bairro Barcelos, que se ergueu sob a batuta do maestro do operariado cachoeirense: o vereador José Nicolau Barbosa. E justamente agora que o município planeja desapropriá-lo para nele instalar o sonhado curso de medicina. José Nicolau Barbosa apresentando a obra do Hospital da Liga Operária - Acervo familiar O sonho do Nicolau, como ficou conhecido o empenho que aplicou sobre a obra, nunca chegou a se realizar, uma vez que a edificação não pôde ser usada como hospital. Ainda assim, sem as condições necessárias para atendimento das exigências médico-sanitárias, o prédio de três andares vem abrigando a Secretaria Municipal de Saúde. Mesmo desvirtuado de seu projetado uso original, mantém o vínculo com o almejado e necessário atendimento da saúde do trabalhador cachoeirense. O Jornal do Povo , edição de 1.º de março de 1964, traz uma entrevista com José Nicolau Barbosa, ocasião em que a reportagem do

Bagunça na 7

Em 1870, quando a moral e os bons costumes eram muito mais rígidos do que os tempos que correm e a convivência dos cidadãos com as mulheres ditas de vida fácil era muito pouco amistosa, duas delas, Rita e Juliâna, estavam a infernizar moradores da principal e mais importante artéria da Cidade da Cachoeira. Diante dos "abusos" e das reclamações, chegou ao subdelegado de polícia da época, Francisco Ribeiro da Foncêca, um comunicado da Câmara Municipal para que ele tomasse as necessárias providências para trazer de volta o sossego aos moradores. Rua 7 de Setembro no século XIX - fototeca Museu Municipal A solicitação da Câmara, assinada pelo presidente Bento Porto da Fontoura, um dos filhos do Comendador Antônio Vicente da Fontoura, consta de um encadernado do Fundo Câmara Municipal em que o secretário lançava o resumo das correspondências expedidas (CM/S/SE/RE-007), constituindo-se assim no registro do que foi despachado. Mais tarde, consolidou-se o sistema de emitir as corresp