Pular para o conteúdo principal

Escravo Fujão

O acervo do Arquivo Histórico de Cachoeira do Sul guarda verdadeiros tesouros. Muitas destas jóias seguem ainda inéditas, aguardando o olhar criterioso de quem, primeiramente,  se disponha a decifrar a arcaica caligrafia e, muitas vezes, a pouca clareza do escriba...

Recentemente, em averiguação de documentos guardados em um arquivo denominado Justiça, não classificado como integrante do Fundo Câmara Municipal e por isto mesmo apartado deste conjunto documental, foi localizado um interessante depoimento de um negro fujão, datado de 4 de maio de 1829.

Transcrito minuciosamente pela assessora técnica Maria Lúcia Mór Castagnino, a Ucha, o documento trouxe à luz do século XXI uma situação certamente corriqueira naquela primeira metade do século XIX, tempo de senhores, de escravos, de fugas e de guerras.

A assessora Ucha Mór em trabalho de transcrição

1829"             Autto de Pregunta
Mº 4
N.º 8              Juizo de Paz                                             J. (?)
                                                                                       Almeida

Antonio Bagamundo natural da Costa forro

Anno de Nassimento de Nosso Jesus Christo de mil oito centos e vinte nove aos quatro Dias do mes de Maio do dito anno em Caza da residencia do Capitãn Bernardo Moreira Lirio Juiz de Páz desta Friguezia e seu Termo onde eu Escrivão vim esendo prezente Antonio Bagamundo para cer perguntado a causa da sua fuga e o Escravo Miguel Escravo de Guilherme Antonio de Athaides e Maria Escrava de Antonio Vicente da Fontoura Disse o seguinte = que sechama Antonio Bragamundo e que sendo Soldado de Artigas fora Prizioneiro no Artaque de Taquarembo e vindo Prizioneiro para Capital sentara Praça no Batalham dos Anriques da Cidade de Porto Alegre onde esteve no Serviço seis mezes seno seu Comandante o Sargento Mor Lourenço Junior de Castro, por tanto Dezertara para seir transportando a Santa fe e que xegando n esta villa encontrara com a Negra Maria, Escrava de Antonio Vicente da Fontoura e lhe preguntara o que Andara fazendo e que ella lhe respondera que seandava aprontando para fugir e que elle dito Antonio Bagamundo que visto ser afim e ella o quizera acompanhar que irião para Santa fe ao que ella respondera que sim e estava pronta como de fato comigo foi e estavão juntos. Quando nos prenderão os Capitains do Mato nos Matos do Otro Lado de Santa Barbara, e Enquanto o Negro Miguel Escravo de Guilherme Antonio de Athaidez hu meu Patricio e foi Prizioneiro no Ataque de Taquarembo Junto comigo, Elogo que elle aqui mevio e convercemos, Eproguntando me elle para onde hia eu lhe dice que tinha Dezertado e que hia Caminhando para Santa fe ao que elle merespondeu que o não deixace pois me quiria a Companhar para o que hia buscar a sua ropa como defato veio e seguimos Junto com a dita negra e fomos todos os tres prezos no mesmo lugar assima dito. E para constar mandou o Juiz Lavrar este de Termo de pregunta em que assinarão perante mim João Alvarez de Almeida. Eu escrivão de Juizo de Paz que o escrevy e a Signey

Lirio.
Custodio Manoel Gomes
Antonio Joze de Almada
Sinal de Antonio Bagamundo
João Alvarez de Almeida
Primeira página do documento - sem classificação


Verso da segunda página - com assinaturas

Comentários

  1. Como sempre incrível o trabalho de vocês, e a oportunidade de ver a prima Ucha devidamente paramentada, fantástico, e não é que se lê o nome do Antônio Vicente da Fontoura ? Que coisa, vira e mexe, a velha a fiar, e eles retornam a nos, assombrar ? Vá se saber, que o diga o Dr. Goulart !

    ResponderExcluir
  2. Maravilhosa pesquisa!A escrava Maria era de faca na bota! E os termos e a escrita da época são inigualáveis em termos de conversação!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A enchente de 1941

As grandes enchentes de 2015 remetem o interesse para eventos climáticos semelhantes ocorridos em outras épocas. De imediato, a grande enchente de 1941, referência para a magnitude deste tipo de calamidade, vem para as rodas de conversa, recheia as notícias da imprensa e, já mais raramente, ainda encontra testemunhas oculares para darem suas impressões. O jornal O Commercio , edição do dia 14 de maio de 1941, constante da coleção de imprensa do Arquivo Histórico, traz na primeira página a repercussão da grande cheia, refere os prejuízos na economia, especialmente no setor orizícola, e dá ciência das primeiras providências das autoridades após a verificação dos estragos: Apezar das ultimas chuvas continúa baixando o nivel das águas Jamais o coração dos riograndenses se sentiram tão cheios de tristeza, de aflição, de tantas apreensões, como por ocasião dessa catástrofe imensamente incalculaveis nos prejuizos, estragos e fatalidades, derivados das incessantes e cerradas chuva...

Casa da Aldeia: uma lenda urbana

Uma expressão que se tornou comum em nossos dias é a da "lenda urbana", ou seja, algo que costuma ser afirmado pelas pessoas como se verdade fosse, no entanto, paira sobre esta verdade um quê de interrogação!  Pois a afirmação inverídica de que a Casa da Aldeia é a mais antiga da cidade é, pode-se dizer, uma "lenda urbana". Longe de ser a construção mais antiga da cidade, posto ocupado pela Catedral Nossa Senhora da Conceição (1799), a Casa da Aldeia, que foi erguida pelo português Manoel Francisco Cardozo, marido da índia guarani Joaquina Maria de São José, é mais recente do que se supunha. Até pouco tempo, a época tida como da construção da casa era dada a partir do requerimento, datado de 18 de abril de 1849, em que Manoel Francisco Cardozo: querendo elle Suppl. Edeficar umas Cazas no lugar da Aldeia ecomo Alli seaxe huns terrenos devolutos na Rua de S. Carlos que faz frente ao Norte efundos ao Sul fazendo canto ao este com a rua principal cujo n...

Hospital da Liga - uma obra para todos

Interessante recobrar a história de construção do Hospital da Liga Operária, o gigante do Bairro Barcelos, que se ergueu sob a batuta do maestro do operariado cachoeirense: o vereador José Nicolau Barbosa. E justamente agora que o município planeja desapropriá-lo para nele instalar o sonhado curso de medicina. José Nicolau Barbosa apresentando a obra do Hospital da Liga Operária - Acervo familiar O sonho do Nicolau, como ficou conhecido o empenho que aplicou sobre a obra, nunca chegou a se realizar, uma vez que a edificação não pôde ser usada como hospital. Ainda assim, sem as condições necessárias para atendimento das exigências médico-sanitárias, o prédio de três andares vem abrigando a Secretaria Municipal de Saúde. Mesmo desvirtuado de seu projetado uso original, mantém o vínculo com o almejado e necessário atendimento da saúde do trabalhador cachoeirense. O Jornal do Povo , edição de 1.º de março de 1964, traz uma entrevista com José Nicolau Barbosa, ocasião em que a reportagem do...