Pular para o conteúdo principal

Evocando as Obras do Château d'Eau

Cachoeira do Sul aguarda com grande expectativa o início das obras de restauro do Château d'Eau, o maior símbolo da cidade, evocado em prosa, verso e imagens desde que passou a ocupar o canteiro central da Praça Balthazar de Bem em 1925.

O Château d'Eau representa o coroamento de um grande projeto que visava dotar a cidade dos serviços de distribuição de água e esgoto, iniciados com a instalação da primeira hidráulica nas proximidades do Hospital de Caridade no ano de 1921.

Inauguração da 1.ª Hidráulica - 20/9/1921 - fototeca Museu Municipal
Em 24 de julho de 1922 a Intendência Municipal, sob a administração do Dr. Annibal Lopes Loureiro, lançou um edital de concorrência para recebimento de propostas relativas ao fornecimento de materiais destinados às obras que completariam o grande projeto de saneamento da cidade. O projeto, assinado pelo Dr. Saturnino de Brito, um dos mais conceituados engenheiros sanitaristas do país, culminou com a inauguração da segunda hidráulica, da qual faziam parte o Château d'Eau e o R2, reservatório enterrado da Rua Júlio de Castilhos, na atual Praça Borges de Medeiros. Era naquele tempo o Dr. João Neves da Fontoura o Vice-Intendente em exercício, em substituição ao Intendente Francisco Nogueira da Gama, licenciado do cargo por motivos de saúde. 



Château d'Eau e R2 - fototeca Museu Municipal
No relatório apresentado ao Conselho Municipal pelo Dr. João Neves, em 15 de outubro de 1925, três dias antes da inauguração das obras da segunda hidráulica, consta:

É com o mais intenso jubilo que vos communico achar-se o serviço de aguas e exgottos da cidade em vias de ser inaugurado. Iniciados os trabalhos a 20 de setembro de 1923, por administração, pela firma Silveira, Soares & Cia., e sob a fiscalisação do Municipio e do Estado, as obras hoje já se acham terminadas, faltando apenas pequenos trabalhos de remate fino e as de embellezamento, que não constam do projecto, os quaes nada affectam ao seu funcionamento, que está sendo effectuado em determinadas zonas da cidade, desde janeiro do corrente anno.

E sobre o Château d'Eau diz o relatório:

O "Chateau d'eau", situado no largo da praça Dr. Balthazar de Bem, defronte ao edificio da Municipalidade, acha-se tambem concluido, apresentando bello aspecto architectonico, concorrendo muito para o embellezamento da cidade. A parte architectonica foi projectada pelo engenheiro Walter Jobim e a parte de calculo e estabilidade pelo engenheiro chefe da Commissão de Saneamento do Estado, Dr. Antonio de Siqueira. As obras de esculptura, constante de estatuas e grupos de nymphas e sereias que circundam o "Chateau d'eau", foram executadas nas officinas de Vicente Friedrichs, de Porto Alegre, sob a direcção do professor Giuseppe Gaudenzi. O fim desse "Chateau d'eau" é o de levar a agua por gravidade ao Reservatorio de distribuição á rua Dr. Julio de Castilhos, e regular ao mesmo tempo a pressão da agua nas zonas mais elevadas.


Relatório apresentado pelo Dr. João N. da Fontoura
- IM/GI/AB/Re-005
Os grandes avanços representados pelas obras de saneamento, aliadas a um apuro estético bem característico da década de 1920, são amplamente conhecidos, difundidos em obras da história local e estadual. As autoridades e técnicos que protagonizaram este singular momento da nossa história ficaram eternizados por esta e mais obras aqui e em outros recantos do estado e do país. Mas e os operários que ergueram as estruturas, atuando em diversas frentes de trabalho, que registro há de seus nomes?

Um encadernado da Intendência Municipal traz notas, recibos e relações das obras de saneamento e revela, além dos nomes dos trabalhadores, chefes e encarregados, as funções desempenhadas por eles, tirando do anonimato pessoas que ergueram nosso mais reverenciado monumento, bem como as demais obras que constituíam o grande projeto de saneamento de Cachoeira. Muitos dos condutos, mecanismos e estruturas ainda estão em uso, provando a eficiência dos que os projetaram e a perícia dos que os construíram.

Eis os 310 nomes que constituem uma Folha de pagamento da II quinzena de JANEIRO de 1925 - Saneamento de Cachoeira - Silveira, Soares & Cia. - Empreiteiros:

Adalberto Costa (apontador), João Smuthini (capataz), Horacio Barreto (servente), José Miranda (pedreiro), Domingos Delzovo (boche), Augusto Alves (servente), João Belmonte (pedreiro), José Rasck (ferreiro), Basilio Farias (ferreiro), Ananias Rodrigues (cavoqueiro), Angelo Ferrari (servente), Hilario Aguir [sic] (servente), Hilario Costa (servente), Suely Brum (boche), João Medeiros (pedreiro), Alcides Silva (servente), Alexandre Machado (servente), João Rodrigues (servente), Zeferino Aguir (servente), Ramiro Chaves (cavoqueiro), Pedro Risso (taip.), Pantaleão R. Santos (servente), Carlos Pacheco (servente), Julio Guedes (pedreiro), João Gonçalves (servente), Godofredo Athayde (carpinteiro), Izidoro Garcia (servente), Porfirio Peixoto (servente), Nelson Vieira ( carroça), Clarindo Saraiva (servente), Belarmino Castro (ronda), Angelo Peloso (servente), Adão Cruz ( cavoqueiro), João M. Alves (cavoqueiro), Ottonor Cunha (cavoqueiro), Adão Oliveira (cavoqueiro), Setembrino Carvalho (cavoqueiro), João Candido (pedreiro), Pacifico Pereira (cavoqueiro), Armando Asplanato (pedreiro), Eduardo Ferraro (capataz), Alberto Trento (sota), João F. Pedrozo (cavoqueiro), José Ribeiro (cavoqueiro), Claudino Rodrigues (cavoqueiro), Waldomiro Silva (cavoqueiro), Apparicio Machado (cavoqueiro), José Corrêa (cavoqueiro), Rosalino Machado (cavoqueiro), Jacy Lewis (boche), Antenor Siqueira (cavoqueiro), Joaquim Cunha (cavoqueiro), Ambrozino Porto (ronda), Demetrio Soares (servente), José Simões (pedreiro), Florisbaldo Alves (carpinteiro), Luiz Copede (pedreiro), Francisco Lewis (carpinteiro), Vergilino Macedo (cavoqueiro), Doralino Ferreira (cavoqueiro), Balbino Domingues (servente), Alvaro Lewis (servente), Pedro Simões (pedreiro), Angelo Bonfoco (cavoqueiro), Erothildes Lopes (pedreiro), Miguel Petronilio (pedreiro), Francisco Moraes (carpinteiro), João Cosubk (canista), Agenor Alves (cavoqueiro), Gomercindo Alves (servente), Basileu Santos (servente), Paulo Moreira (cavoqueiro), João Dutter (pedreiro), Justino Silva (servente), Ramão Dutter (calceteiro), Aristides Alves (cavoqueiro), João Papajorge (carpinteiro), Simplicio Carvalho (alambr.), João da Silva (cavoqueiro), João B. Grecca (almoxarife), Gabriel Fonseca (capataz), Mario Costa (continuo), Nathalino Fernandes (chauffeur), Anapio Carvalho (chauffeur), Aracy Figueiró (cavoqueiro), Estacio dos Santos (servente), Pedro Dornelles (cavoqueiro), Geraldino Nunes (servente), Giuseppe Rissieri (rejuntador), Abilio Sousa (cavoqueiro), Ladislau Peixoto (carroça), Amadeo Martins (capataz), Francisco Lopes (ronda), Octacilio Loureiro (boche), Franklin R. Maia (cavoqueiro), Reinaldo Paulo (servente), Manoel Cassiano (cavoqueiro), Manoel Candido (cavoqueiro), Henrique Loureiro (cavoqueiro), Pedro Pedrozo (cavoqueiro), Julio Rosa (manilheiro), Marcondes Silveira (cavoqueiro), João A. Rodrigues (cavoqueiro), Martins Proense (servente), Arthur Lara (ajudante), Augusto Ferreira (cavoqueiro), Antonio Francisco (cavoqueiro), Ramiro Lemos (cavoqueiro), Julio Ruport (cavoqueiro), João A. Lopes (cavoqueiro), Narcizo Santos (cavoqueiro), Januario Santos (cavoqueiro), Octacilio Machado (cavoqueiro), Possidonio Gonçalves (cavoqueiro), Ezequiel Silva (cavoqueiro), Martins Pio (cavoqueiro), Faustino Franco (cavoqueiro), Herculano Lucas (cavoqueiro), Pedro Pereira (cavoqueiro), João Lemos (cavoqueiro), João Felix (cavoqueiro), Theobaldo Rodrigues (cavoqueiro), João Francisco (cavoqueiro), Benedicto Paulo (cavoqueiro), Geronymo Ilha (cavoqueiro), João Garcia (aparelhador), João C. Barcellos (aparelhador), Reduzindo Colmedeiro (aparelhador), Marcos G. d'Oliveira (cavoqueiro), David Pedrozo (cavoqueiro), André Ferraro (capataz), Baptista Carvalho (pedreiro), Amaro Dornelles (servente), José Pereira (servente), Laurindo Silva (pedreiro), Salustiano Martins (pedreiro), Gaspar Cardozo (carpinteiro), Roldão Costa (ronda), Marcos Bezerra (carpinteiro), Manoel Pacheco (servente), Sergio Pereira (servente), Lucas Pinhac (pedreiro), Napoleão Alves (servente), Braz Avila (servente), Luiz Caetano (cavoqueiro), Sergio Motta (cavoqueiro), Vergilio Rosa (servente), Antonio Morejano (servente), Estevão Rosa (cavoqueiro), Vicente Granado (carpinteiro), Anaurelino Vieira (pedreiro), Ernesto Thomaz (cavoqueiro), José Lopes (cavoqueiro), Marciano Pereira (cavoqueiro), Manoel Vidal (cavoqueiro), João Rodrigues (cavoqueiro), José Modesto (cavoqueiro), Luiz da Silva (cavoqueiro), Julio Matheus (carpinteiro), Favorino Fernandes (carpinteiro), Adão Oliveira (cavoqueiro), Paulo Machado (cavoqueiro), Avelino da Silva (cavoqueiro), João Ferraro (capataz), Alberto Dalma (ajudante), Egydio Peluso (calceteiro), Roberto Rosa (ronda), Guilherme Athayde (ajudante), Florencio Leguiça (manilheiro), Anthero M. da Silva (cavoqueiro), Victalino Lemos (cavoqueiro), Honorio Ayres (cavoqueiro), Antonio Loureiro (boche), José A. Cardozo (servente), Alberto Pedrozo (servente), Ataliba Rodrigues (boche), Dorico Corrêa (cavoqueiro), Deoclecio Ferraz (cavoqueiro), Clemente Sezino (cavoqueiro), Vicente Ferreira (cavoqueiro), Theodoro Vieira (cavoqueiro), João Lemos (cavoqueiro), Bernardino Nascimento (cavoqueiro), Gregorio Braga (cavoqueiro), Astrogildo Garcia (boche), Julio Domingues (servente), Eduardo Soares (servente), Manoel Rodrigues (servente), Silvino Claudiano (cavoqueiro), Levindo Rosa (cavoqueiro), Francisco Claudiano (servente), Floriano Saldanha (manilheiro), Claro Mendes (cavoqueiro), Alberto Almeida (cavoqueiro), João Damazio (cavoqueiro), João C. Ilha (servente), Euzebio Lemos (servente), João Pantaleão (cavoqueiro), Belmonte Lara (cavoqueiro), João Rosalino (cavoqueiro), Balthasar Bicca (cavoqueiro), Francisco Assis (cavoqueiro), João Antonio (cavoqueiro), Propicio Carvalho (cavoqueiro), Candido Carvalho (cavoqueiro), Regino Moura (cavoqueiro), Libanio Santos (cavoqueiro), João Cardozo (cavoqueiro), Julião Lopes (cavoqueiro), Antonio Moreira (cavoqueiro), Manoel Alves (cavoqueiro). (IM/CO/DRD/AP-014)

A soma total da folha de pagamento dos 310 operários chegou ao montante de 18:114$775, desdobrada em Mão de obra Aguas 7:622.575 e Mão de obra Exgottos 10:432.200, totalizando 18:054.775, de onde foi deduzida a quantia de 56.000 réis proveniente da diferença de salário do operário n.º 164 (Arthur Lara) e foi conferida e assinada pelo engenheiro fiscal Arno Bernhardt.

Além dos nomes dos trabalhadores, singulares são as funções desempenhadas por alguns, como aparelhador, pedreiro que dirige o trabalho de corte e colocação de pedras; apontador, funcionário responsável pelos levantamentos e registros diários no canteiro de obras; boche, pessoa que tem a profissão de viajar de carreta; cavouqueiro (cavoqueiro na grafia do documento original), que é aquele que abre buracos ou cavoucos; manilheiro, o que assenta as manilhas.

Com o presente levantamento, o Arquivo Histórico saúda as ações que visam a recuperação do Château d'Eau, enaltecendo todos os que se envolveram com esta obra máxima de engenhosidade e beleza.

(MR)

Comentários

  1. Além de fonte de pesquisas e auxílio as gerações presentes que desconhecem os detalhes,louvável a preocupação da historiadora Mirian Ritzel de resgatar os nomes dos que participaram ativamente da construção dessa maravilha que transcende o tempo, obrigado Mirian !

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Casa da Aldeia: uma lenda urbana

Uma expressão que se tornou comum em nossos dias é a da "lenda urbana", ou seja, algo que costuma ser afirmado pelas pessoas como se verdade fosse, no entanto, paira sobre esta verdade um quê de interrogação!  Pois a afirmação inverídica de que a Casa da Aldeia é a mais antiga da cidade é, pode-se dizer, uma "lenda urbana". Longe de ser a construção mais antiga da cidade, posto ocupado pela Catedral Nossa Senhora da Conceição (1799), a Casa da Aldeia, que foi erguida pelo português Manoel Francisco Cardozo, marido da índia guarani Joaquina Maria de São José, é mais recente do que se supunha. Até pouco tempo, a época tida como da construção da casa era dada a partir do requerimento, datado de 18 de abril de 1849, em que Manoel Francisco Cardozo: querendo elle Suppl. Edeficar umas Cazas no lugar da Aldeia ecomo Alli seaxe huns terrenos devolutos na Rua de S. Carlos que faz frente ao Norte efundos ao Sul fazendo canto ao este com a rua principal cujo n

Hospital da Liga - uma obra para todos

Interessante recobrar a história de construção do Hospital da Liga Operária, o gigante do Bairro Barcelos, que se ergueu sob a batuta do maestro do operariado cachoeirense: o vereador José Nicolau Barbosa. E justamente agora que o município planeja desapropriá-lo para nele instalar o sonhado curso de medicina. José Nicolau Barbosa apresentando a obra do Hospital da Liga Operária - Acervo familiar O sonho do Nicolau, como ficou conhecido o empenho que aplicou sobre a obra, nunca chegou a se realizar, uma vez que a edificação não pôde ser usada como hospital. Ainda assim, sem as condições necessárias para atendimento das exigências médico-sanitárias, o prédio de três andares vem abrigando a Secretaria Municipal de Saúde. Mesmo desvirtuado de seu projetado uso original, mantém o vínculo com o almejado e necessário atendimento da saúde do trabalhador cachoeirense. O Jornal do Povo , edição de 1.º de março de 1964, traz uma entrevista com José Nicolau Barbosa, ocasião em que a reportagem do

Bagunça na 7

Em 1870, quando a moral e os bons costumes eram muito mais rígidos do que os tempos que correm e a convivência dos cidadãos com as mulheres ditas de vida fácil era muito pouco amistosa, duas delas, Rita e Juliâna, estavam a infernizar moradores da principal e mais importante artéria da Cidade da Cachoeira. Diante dos "abusos" e das reclamações, chegou ao subdelegado de polícia da época, Francisco Ribeiro da Foncêca, um comunicado da Câmara Municipal para que ele tomasse as necessárias providências para trazer de volta o sossego aos moradores. Rua 7 de Setembro no século XIX - fototeca Museu Municipal A solicitação da Câmara, assinada pelo presidente Bento Porto da Fontoura, um dos filhos do Comendador Antônio Vicente da Fontoura, consta de um encadernado do Fundo Câmara Municipal em que o secretário lançava o resumo das correspondências expedidas (CM/S/SE/RE-007), constituindo-se assim no registro do que foi despachado. Mais tarde, consolidou-se o sistema de emitir as corresp