Graças à coleção do jornal O Commercio, que está preservada no Arquivo Histórico do Município de Cachoeira do Sul, é possível fazer uma viagem ao passado e visitar a Cachoeira de 100 anos atrás. Uma rápida virada de páginas e a cidade daquele tempo revela-se em paisagens, costumes, política, vida social e cultural. Também a forma de redigir os acontecimentos, minimamente detalhada e bastante laudatória, chama a atenção, fazendo um contraponto com o reducionismo de linguagem que caracteriza os dias atuais.
Eis, na ótica de um redator que assinava com o pseudônimo de Pangloss uma intitulada Prosa vadia, a Cachoeira de 1916 sob as paineiras da avenida:
Quem conheceu a Cachoeira ha uns cinco ou seis annos, e não a vê desde esse tempo, mal podia imaginar a transformação que se tem operado no sentido do seu progresso.
Não se assustem, porém, os leitores, antevendo que estas linhas de chronica vão excursionar pelos dominios da estatistica do essencialmente estatistico [...]
Muito menos é intuito destas linhas dizer que o commercio está florescente ou em crise de transportes; que a carestia dos generos continúa e continuará, conservando em crise perenne a grande e desprotegida classe dos consumidores, etc., etc., e etc.
A chronica, alçando a mira sobre todo este montão de cousas terra a terra, visa um alvo menos escabroso, dizendo que a cidade da Cachoeira, apezar da conflagração e das crises della decorrentes, está sobremodo encantandora.
Que o digam os frequentadores da Avenida das Paineiras, dessa multidão que ás tardes e ás noites a enchem, dando-lhe um aspecto de animação e bem estar que talvez se não encontre em nenhuma das outras cidades da campanha rio-grandense.
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Avenida das Paineiras, hoje Rua Sete de Setembro, assim chamada em razão das paineiras que rodeavam a Praça José Bonifácio - fototeca Museu Municipal |
Contemplando-se esse quadro, que reflecte, certamente, o progresso e a concordia reinantes neste municipio, não se póde deixar de recordar com louvores a parte que toca ao sr. Manoel Costa Junior, no que concerne ao embellezamento e animação da nossa praça de recreio, pois é incontestavel que o centro de attracção, a mais bella parte da avenida é o ponto que o incansavel Costa denominou de - Chic. Ahi tem elle o seu excelente Coliseu, o seu restaurant, o seu bar.
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Ponto Chic, ao lado do Cinema Coliseu Cachoeirense, na esquina da Praça Jose Bonifácio - fototeca Museu Municipal |
Assim é que emquanto uns combatem os calores estivaes, refrigerando-se com cousas geladas, outros dão véia [sic] ao paladar no seu bem attendido restaurant, ingerindo acepipes que restauram ao mesmo tempo as forças do corpo e da alma, pois tudo isso é feito ao som de um piano habilmente dedilhado e interpretado pelo maestro Curt Dreyer.
Quando tudo isso não baste ahi tem o desfilar do sexo gentil pela Avenida fartamente illuminada, ás vezes a côres, emquanto as musicas ressoam, e as campainhas do Coliseu tilintam, convidando ás fitas por entre pregões de reclames que ainda mais realçam o movimento.
É certo que este Costa abre, com isso, um grande sulco por onde canalisa (para elle) uma boa parte das nossas economias, mas considerando que o dinheiro é "meio circulante", nenhuma censura merece quem, assim, o faz circular...
Alêm desse, ha outros pontos de atracação, taes como a "Gruta Azul", especialista em sandwichs, e o "Pavilhão Recreio", que é tambem um lugar aprazivel e bem provido de beberagens.
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O Gruta Azul, ao centro, e o Pavilhão Recreio, à esquerda - fototeca Museu Municipal |
Ninguem pense, porêm, que o povo cachoeirense, com esta profusão de bars, se dê demasiadamente ás bebidas: é apenas um povo que gosta de refrescar-se em torno das mesinhas enquanto palestra, descansando das fadigas dos passeios ou dos labores diarios.
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Movimento de frequentadores dos bares da Avenida das Paineiras - fototeca Museu Municipal |
E' talvez devido a isso, isto é, a essas diversões, e a essa sociabilidade que já não podem medrar, aqui, as intrigas politiqueiras e as hostilidades que ellas geram.
E' assim que a Avenida, o jardim, o Costa e a musica tiveram o poder de abrir nesta bemdita cidade um verdadeiro seio de Abrahão!*
Pangloss
(Extraído de O Commercio, edição de 3 de maio de 1916, p. 1)
* Seio de Abraão: no sentido figurado, lugar acolhedor de todos.
(MR)
O mais fantástico é termos condições graças a essa postagem, de imaginarmos nossos ancestrais desfrutando de todas essas condições, fecho os olhos e os vejo aos pares, cumprimentando aos amigos e charleando com as esposas, fantástica como sempre, mais essa postagem. Obrigado, Mirian Ritzel !
ResponderExcluirAté eu que não vivi em Cachoeira senti alegria em ler esta postagem Mirian Obrigada !
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