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Eucaliptos em Cachoeira

A cultura de eucaliptos em Cachoeira teve um grande impulso a partir de 1916 com o empreendedor José Zell, que desde 1912 vinha realizando palestras e publicando artigos no jornal O Commercio sobre as vantagens da silvicultura.

Sua primeira aparição discorrendo sobre o assunto se deu em 28 de fevereiro de 1912, no salão da Intendência Municipal, quando realizou uma conferência sobre silvicultura em geral, focando especificamente no cultivo do eucalipto. O Dr. Balthazar de Bem, ao apresentá-lo à assistência, justificou a dificuldade de expressão de José Zell devido ao pouco tempo em que estava no Brasil, mas ressaltou sua alta qualificação para o que se propunha fazer.

Segundo publicação n'O Commercio, edição de 6 de março de 1912, ao começar a conferência, José Zell falou sobre a importância dos matos e enalteceu o seu papel benefico exercido (...) sobre o clima, reduzindo e desviando a força dos ventos, determinando maior precipitação d'agua, evitando as erosões e garantindo portanto a perennidade dos cursos d'agua; por meio das folhas os mattos retêm as aguas e mantem a fertilidade dos terrenos. (...) Da exploração sem methodo desta riqueza, provieram aos povos, como á Grecia, Sicilia e outras regiões da Italia, serias difficuldades que hoje trata-se de reparar pelo replantio. (...) 
O Sr. Zell, que é um competente no assumpto, ha 15 annos cultiva eucalyptus nas Pedras Brancas, e o fez com tanto cuidado que suas plantações constituem um verdadeiro campo experimental de sylvicultura. (...) 
Como se vê o sr. Zell vai se tornando um benemerito pela natureza dos seus trabalhos, que merecem ser amplamente divulgados, dada a relevancia do assumpto. 
Perorando o conferencista felicitou aos cachoeirenses pela prosperidade de varios ramos da lavoura neste municipio e concitou-os a proseguir a reconstituição da floresta rio-grandense.

José Zell, que dá nome a uma rua de Cachoeira, foi o grande propagador do plantio de eucaliptos no município. Ancorado em sua larga experiência na silvicultura e dos 15 anos empregados no manejo do eucalipto, era tido como alta autoridade no assunto no Rio Grande do Sul. A partir de 1912, pela ampla propaganda, vários proprietários cachoeirenses passaram a cultivar a mirtácea de rápido crescimento e que em pouco tempo fornecia lenha para combustível e madeira para construção.

A comprovar isto está um documento da Intendência Municipal que traz dados estatísticos do cultivo de eucaliptos no município do ano de 1912 até 1917, demonstrando o protagonismo de Zell no negócio:

IM/EA/SI/Relações - Caixa 22
Na relação de investidores no cultivo, apresentada à Intendência por José Zell, aparecem como pioneiros os médicos Balthazar de Bem e Augusto Priebe. O primeiro, conhecido pelo empreendedorismo, plantou inicialmente 5.000 árvores na sua Granja da Penha, mesmo número de mudas plantadas pelo Dr. Augusto Priebe em sua propriedade, no 1.º distrito, lugar em que hoje se assenta a sede campestre do Clube Comercial.

Investidores pioneiros no cultivo do eucalipto
- Imagens historiadecachoeiradosul.blogspot.com.br e brasilverde.com.br
Outros nomes que aparecem na relação, divulgados também no jornal O Commercio, são: Euripides Mostardeiro & Cia., Carlos Schmidt, Adolfo Brendler, Augusto Wilhelm, Diefenbach, Wilhelm & Cia., Luiz Diefenbach, Gustavo Müller, Emilio Schlabitz & Cia., José Sebastião Vieira da Cunha, da Fazenda São José (Tafona) e Octaviano Gomes de Oliveira.

Silvicultores de eucaliptos - Augusto Wilhelm - acervo familiar
Octaviano Gomes de Oliveira - foto de Benjamin Camozato
José Sebastião Vieira da Cunha - acervo Fazenda da Tafona

José Zell fixou-se na cidade, onde encontrou bom campo de negócio. Aqui viveu por muitos anos, estabelecendo um viveiro para criação de mudas de eucalipto no Alto dos Loretos. No ano de 1916 fechou contratos de mais de um milhão de pés de eucaliptos para proprietários rurais de São Gabriel, Bagé e Pelotas, fazendo de Cachoeira um celeiro exportador. As principais espécies cultivadas eram rostrata, robusta, resinífera, citriodora, pilularis e sideropholia. Em 1918 adquiriu um terreno no Bairro Rio Branco, onde construiu um sobrado projetado por Theo Wiedersphan, o mesmo arquiteto responsável pelo projeto do Templo Martim Lutero.

Sobrado projetado por Theo Wiedersphan para José Zell - Bairro Rio Branco
- Imagem: acervo Osvaldo Cabral de Castro

Não há notícia de quando José Zell deixou Cachoeira, mas consta que o sobrado onde morava foi vendido em 1928 para Edwino Schneider e que antes disso havia pertencido ao Dr. Alfredo Papay. Apesar de ter-se retirado da cidade, as mudas de eucaliptos que difundiu acabaram cobrindo muitos hectares cachoeirenses e fazendo com que esta árvore exótica passasse a ser popular entre nós.

José Zell morreu em Porto Alegre no dia 14 de julho de 1953.

MR

Comentários

  1. Putz, que fantástica essa postagem, me quebras a vidraça dos olhos mais uma vez com a lembrança de meu bisavô, o saudoso e finado José Sebastião Vieira da Cunha, sem palavras prima.

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  2. E que coincidência postar no dia de falecimento do José Zell.

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  3. Gostei muito Mirian ! Como admirador do plantio de Eucalipto e até cultivador do mesmo em pequena escala, achei muito interessante. Alguns conceitos sobre a cultura já mudaram, mas isso não é relevante diante da do grande bem que este senhor trouxe ao nosso município e hoje é sem dúvidas uma das alavancas do nosso agronegócio...parabéns pela postagem !

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  4. Os conceitos mudaram mesmo! Mas a história tem que ser revista e o valor do empreendimento de José Zell deixou seu legado e como eu disse lá no texto, de exótico o eucalipto se tornou popular entre nós. Obrigada, Mário!

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