Pular para o conteúdo principal

Um cemitério para a Vila

Até meados da primeira metade do século XIX era prática corrente em todo o Brasil enterrar os mortos dentro das igrejas e cabia aos padres a tarefa de registrar nos livros correspondentes os assentos de batismos, casamentos e óbitos dos fiéis, bem como providenciar os sepultamentos.

Na Vila Nova de São João da Cachoeira não era diferente e, apesar dos incômodos, especialmente o mau cheiro dos corpos em decomposição na estrutura mal vedada das paredes da Igreja Matriz, as autoridades nada faziam para solucionar a prática. Até que em 4 de outubro de 1827, o cirurgião-mor do Império, Gaspar Francisco Gonçalves, fez um alerta em sessão dos vereadores, prevenindo-os da urgente necessidade da construção de um cemitério fora da vila.

Em seu pronunciamento, Gaspar Francisco Gonçalves foi contundente, afirmando que sepultar os mortos dentro da igreja consistia em causa pestífera assaz capaz de infeccionar uma grossa cidade, quanto mais uma vila tão pequena, como se prova pelas grandes mortandades que têm grassado pelo povo, muito principalmente porque já se sepultam os cadáveres uns sobre os outros, e a entrada da igreja é uma prova evidente pelo cheiro que exala. 

Além dos sepultamentos dentro da igreja, o terreno fronteiro a ela e o dos fundos também constituíam cemitérios, sendo aquele ponto um local que exalava morte.

Em 11 de abril de 1831, o vigário Ignacio Francisco Xavier dos Santos redigiu uma carta ao presidente e demais vereadores da Câmara comunicando que havia recebido aviso para que fossem suspensos os sepultamentos dentro da igreja e efetuados em cemitérios fora das povoações. 



Carta do padre Ignacio F. X. dos Santos enviada à Câmara
em 11/4/1831 - CM/OF/Ofícios - Cx. 12

Na mesma carta, o vigário informava que em 1827, de comum acordo com o ouvidor Japi Assú, haviam escolhido o lugar para o cemitério no alto da Aldeia, tendo na ocasião sendo bento na forma do ritual romano. No entanto, o padre reclamava que a Câmara ainda não havia mandado amurar e erigir o altar e que mais de uma vez havia representado contra ele junto ao presidente da província. Por fim, solicitava à Câmara que cumprisse a sua parte para que, finalmente, ele pudesse cumprir a sua.

Os impasses se seguiram ainda por um tempo. A contragosto do vigário, os sepultamentos tiveram que cessar dentro e no entorno da Igreja Matriz para, finalmente, terem os mortos por destino o atual Cemitério das Irmandades, cuja chave foi entregue ao vigário Ignacio Francisco Xavier dos Santos em janeiro de 1833.

Quanto à obra do muro de cercamento do cemitério, reclamada pelo vigário à Câmara, somente em dezembro de 1853 houve a contratação do serviço de Antônio Xavier da Silva, mas ainda sem o total fechamento do terreno. Finalmente, em 11 de dezembro de 1856, por obra contratada a José Ferreira Neves, foi totalmente amurado o Cemitério das Irmandades. O padre Ignacio não testemunhou esta obra, pois passou a ocupar túmulo naquele cemitério em junho de 1844.

MR

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Casa da Aldeia: uma lenda urbana

Uma expressão que se tornou comum em nossos dias é a da "lenda urbana", ou seja, algo que costuma ser afirmado pelas pessoas como se verdade fosse, no entanto, paira sobre esta verdade um quê de interrogação!  Pois a afirmação inverídica de que a Casa da Aldeia é a mais antiga da cidade é, pode-se dizer, uma "lenda urbana". Longe de ser a construção mais antiga da cidade, posto ocupado pela Catedral Nossa Senhora da Conceição (1799), a Casa da Aldeia, que foi erguida pelo português Manoel Francisco Cardozo, marido da índia guarani Joaquina Maria de São José, é mais recente do que se supunha. Até pouco tempo, a época tida como da construção da casa era dada a partir do requerimento, datado de 18 de abril de 1849, em que Manoel Francisco Cardozo: querendo elle Suppl. Edeficar umas Cazas no lugar da Aldeia ecomo Alli seaxe huns terrenos devolutos na Rua de S. Carlos que faz frente ao Norte efundos ao Sul fazendo canto ao este com a rua principal cujo n

Hospital da Liga - uma obra para todos

Interessante recobrar a história de construção do Hospital da Liga Operária, o gigante do Bairro Barcelos, que se ergueu sob a batuta do maestro do operariado cachoeirense: o vereador José Nicolau Barbosa. E justamente agora que o município planeja desapropriá-lo para nele instalar o sonhado curso de medicina. José Nicolau Barbosa apresentando a obra do Hospital da Liga Operária - Acervo familiar O sonho do Nicolau, como ficou conhecido o empenho que aplicou sobre a obra, nunca chegou a se realizar, uma vez que a edificação não pôde ser usada como hospital. Ainda assim, sem as condições necessárias para atendimento das exigências médico-sanitárias, o prédio de três andares vem abrigando a Secretaria Municipal de Saúde. Mesmo desvirtuado de seu projetado uso original, mantém o vínculo com o almejado e necessário atendimento da saúde do trabalhador cachoeirense. O Jornal do Povo , edição de 1.º de março de 1964, traz uma entrevista com José Nicolau Barbosa, ocasião em que a reportagem do

Bagunça na 7

Em 1870, quando a moral e os bons costumes eram muito mais rígidos do que os tempos que correm e a convivência dos cidadãos com as mulheres ditas de vida fácil era muito pouco amistosa, duas delas, Rita e Juliâna, estavam a infernizar moradores da principal e mais importante artéria da Cidade da Cachoeira. Diante dos "abusos" e das reclamações, chegou ao subdelegado de polícia da época, Francisco Ribeiro da Foncêca, um comunicado da Câmara Municipal para que ele tomasse as necessárias providências para trazer de volta o sossego aos moradores. Rua 7 de Setembro no século XIX - fototeca Museu Municipal A solicitação da Câmara, assinada pelo presidente Bento Porto da Fontoura, um dos filhos do Comendador Antônio Vicente da Fontoura, consta de um encadernado do Fundo Câmara Municipal em que o secretário lançava o resumo das correspondências expedidas (CM/S/SE/RE-007), constituindo-se assim no registro do que foi despachado. Mais tarde, consolidou-se o sistema de emitir as corresp