Pular para o conteúdo principal

Uma nota fiscal de 150 anos

O acervo documental do Arquivo Histórico oferece um universo de possibilidades para perscrutação do passado. Uma simples nota fiscal, por exemplo, item que comumente jogamos na lata de lixo, é capaz de permitir uma verdadeira viagem no tempo, especialmente se ela foi emitida há 150 anos!

Logicamente uma nota fiscal de 150 anos está arquivada no acervo documental em razão de sua condição de documento comprobatório de uma despesa gerada para a Câmara Municipal, com trânsito pelas seções então existentes dentro do aparato administrativo. A figura do procurador, que era o responsável pelas finanças municipais, tinha grande importância, pois seu compromisso era de "arrecadar e aplicar as rendas municipais e multas destinadas a despesas da Câmara; demandar a execução das Posturas Municipais, impondo penas aos contraventores; defender os direitos da Câmara perante a Justiça Ordinária; apresentar trimestralmente as contas à Câmara e conservar em boa guarda todos os objetos pertencentes à Câmara, os quais deveriam ser inventariados. Conforme registros de pagamentos em livros e documentação avulsa, competia ao procurador efetuar os pagamentos das contas da Câmara." Eis a razão da nota fiscal da Loja de Fazendas, ferragens, miudezas, louça e molhados, de Gomes & Meneses ter sido trazida aos nossos dias, revelando uma aquisição de materiais que seriam empregados na Casa de Câmara, Júri e Cadeia, constantes de:

12 Arandellas de bronse com mangas de 2 luses (valor unitário de 12 réis) - 180.000
6 Globos de vidro (valor unitário de 8 réis)  - 48.000
26 Lanternas com vidros de cores brancas (valor unitário de 1 réis) - 26.000
Acondiccionamento - 3.000
Frete ao vapor e carretos - 6.000
nota que perfez o total de 263.000 réis. Francisco de Souza Meneses, para quem a nota foi emitida, era vereador da Câmara (legislatura de 1865-1868).

Nota fiscal de Gomes & Meneses, Cachoeira, 10/4/1868
- CM/Po/DRD/DD-Caixa 26
A nota fiscal de Gomes & Meneses revela que a Cachoeira de 1868 tinha estabelecimentos comerciais especializados, capazes de abastecer o mercado com importação de produtos, pois os itens lançados tiveram que vir de vapor, com as despesas de frete incluídas na negociação. A despesa foi feita com a Casa de Câmara, Júri e Cadeia, então uma novel construção, na sua iluminação interna e externa, conforme registrado em livro de Demonstração de Receita e Despesa da Câmara Municipal da Cidade da Cachoeira - CM/Po/RD/AC-003, fl. 219.

Onde ficava a loja de Gomes & Meneses? Seria o vereador para quem a nota foi emitida, em nome da Câmara, o "Meneses" da razão social?

A história é uma "senhora" de mil faces, costumando se revelar por inusitadas formas, ou manter-se escondida, levando-nos a procurar mais e mais.

MR

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Casa da Aldeia: uma lenda urbana

Uma expressão que se tornou comum em nossos dias é a da "lenda urbana", ou seja, algo que costuma ser afirmado pelas pessoas como se verdade fosse, no entanto, paira sobre esta verdade um quê de interrogação!  Pois a afirmação inverídica de que a Casa da Aldeia é a mais antiga da cidade é, pode-se dizer, uma "lenda urbana". Longe de ser a construção mais antiga da cidade, posto ocupado pela Catedral Nossa Senhora da Conceição (1799), a Casa da Aldeia, que foi erguida pelo português Manoel Francisco Cardozo, marido da índia guarani Joaquina Maria de São José, é mais recente do que se supunha. Até pouco tempo, a época tida como da construção da casa era dada a partir do requerimento, datado de 18 de abril de 1849, em que Manoel Francisco Cardozo: querendo elle Suppl. Edeficar umas Cazas no lugar da Aldeia ecomo Alli seaxe huns terrenos devolutos na Rua de S. Carlos que faz frente ao Norte efundos ao Sul fazendo canto ao este com a rua principal cujo n...

Instituto Estadual de Educação João Neves da Fontoura - 90 anos

O mês de maio de 2019 está marcado por um momento significativo na história da educação de Cachoeira do Sul. No dia 22, o Instituto Estadual de Educação João Neves da Fontoura chegou aos seus 90 anos carregando, neste transcurso de tempo, desafios, dificuldades e conquistas. Muitas crianças e jovens passaram por seus bancos escolares, assim como professores e servidores dedicados à desafiadora tarefa educativa. A história do João Neves, como popularmente é chamado aquele importante educandário, tem vínculos enormes com seu patrono. Em 1929, quando a instituição foi criada com o nome de Escola Complementar, o Dr. João Neves da Fontoura era vice-presidente do estado e há pouco havia concluído uma gestão de grandes obras como intendente de Cachoeira.  Em 1927, ano em que Borges de Medeiros resolveu criar escolas complementares no estado para a formação de alunos-mestres, imediatamente João Neves empenhou-se para que uma destas escolas fosse instalada em Cachoeira, município p...

Cachoeira do Sul e seu rico patrimônio histórico-cultural

A história de Cachoeira do Sul, rica e longeva, afinal são 202 anos desde a sua emancipação político-administrativa, legou-nos um conjunto de bens que hoje são vistos como patrimônio histórico-cultural. Muito há ainda de testemunhos desta história que merecem a atenção pelo que representam como marcas dos diferentes ciclos históricos. Mas felizmente a comunidade e suas autoridades, desde 1981, pela criação do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico-Cultural - COMPAHC, têm reconhecido e protegido muitas destas marcas históricas. Antes da existência do COMPAHC muitos e significativos bens foram perdidos, pois o município não dispunha de mecanismos nem legislação protetiva, tampouco de levantamento de seu patrimônio histórico-cultural. Assim, o Mercado Público, em 1957, e a Estação Ferroviária, em 1975, foram duas das maiores perdas, sendo estes dois bens seguidamente citados como omissões do poder público e da própria comunidade. Sempre importante lembrar que por ocasião do anúncio da...