Pouco menos de 10 anos depois da instalação da Vila Nova de São João da Cachoeira, muitas das atribuições dos vereadores da Câmara Municipal, então os responsáveis pela administração e disciplinamento dos negócios, serviços e bens públicos, ainda careciam de resolução.
Segundo dispunha a Lei de 1.º de outubro de 1828, em seu artigo 56, dentro das funções municipais, os vereadores tinham que se organizar e, reunidos em sessão, nomear uma commissão de cidadãos probos, de cinco pelo menos, a quem encarregarão a visita das prisões civis, militares, e ecclesiasticas, dos carceres dos conventos dos regulares, e de todos os estabelecimentos publicos de caridade para informarem do seu estado, e dos melhoramentos, que precisam.
Atendendo a esta atribuição prevista na lei, na sessão do dia 15 de setembro de 1829, foram nomeados para dar cumprimento à determinação o Juiz de Paz João Nunes da Silva, o Juiz Ordinário Francisco Jozé da Silva Moura, o Juiz de Sesmaria Manoel Alvares Ferraz, o cidadão Joze Custodio Coelho Leal Filho e o licenciado (médico) Joze Francisco Alvares Malveiro. Estes cinco cidadãos tinham por encargo verificar as condições das prisões civis e militares da Vila e das que existiam nas capelas filiais que lhe eram subordinadas. Na reunião seguinte, ocorrida no dia 16 de setembro, o vereador Feliciano Pereira Fortes chamou a atenção para o fato de que os três primeiros cidadãos nomeados para integrarem a comissão não estavam em conformidade e que, apesar de probos, não poderiam desempenhar as funções por ocuparem cargos de juízes. Mesmo assim, a Câmara decidiu manter a nomeação.
Em 18 de setembro, Manoel Alvares Ferraz pediu para retirar-se da comissão, o que foi aceito, sendo nomeado em seu lugar Gonçallo Teixeira de Carvalho. Por sugestão do vereador Feliciano Pereira Fortes, em 1.º de outubro foi nomeado Ignacio Rodrigues de Carvalho como outro membro da comissão. Na mesma ocasião, o vereador solicitou que a comissão apresentasse o relatório de seus trabalhos.
Naquele outubro de 1829, um ano depois da promulgação da lei que regulava o funcionamento das Câmaras, motivados pela formação da comissão e pelos seus resultados, os vereadores cachoeirenses tomaram conhecimento das escabrosas condições das prisões existentes. Na reunião do dia 7, foi lido o ofício com os resultados da vistoria procedida por Ignacio Rodrigues de Carvalho, Francisco Jozé da Silva Moura, Gonçallo Teixeira de Carvalho, Joze Alvares Malveiro e Joze Custodio Coelho Leal Filho, assim descrita na ata da sessão:
Foi presente hum Officio da Commissão emcarregada das Prisoens, Civil, e Militar, que aberto, e lido, se vio dar a seguinte emformação. = Illustrissimos Senhores = A Commissão emcarregada da visita das Cadeas, Civil, e Militar desta Villa, havendo procedido ao cumprimento do seu Emcargo, tem a honra de levar á prezença dessa respeitavel Camara Municipal a informação do estado, em que achou estas Casas de prizão.
Segundo dispunha a Lei de 1.º de outubro de 1828, em seu artigo 56, dentro das funções municipais, os vereadores tinham que se organizar e, reunidos em sessão, nomear uma commissão de cidadãos probos, de cinco pelo menos, a quem encarregarão a visita das prisões civis, militares, e ecclesiasticas, dos carceres dos conventos dos regulares, e de todos os estabelecimentos publicos de caridade para informarem do seu estado, e dos melhoramentos, que precisam.
Atendendo a esta atribuição prevista na lei, na sessão do dia 15 de setembro de 1829, foram nomeados para dar cumprimento à determinação o Juiz de Paz João Nunes da Silva, o Juiz Ordinário Francisco Jozé da Silva Moura, o Juiz de Sesmaria Manoel Alvares Ferraz, o cidadão Joze Custodio Coelho Leal Filho e o licenciado (médico) Joze Francisco Alvares Malveiro. Estes cinco cidadãos tinham por encargo verificar as condições das prisões civis e militares da Vila e das que existiam nas capelas filiais que lhe eram subordinadas. Na reunião seguinte, ocorrida no dia 16 de setembro, o vereador Feliciano Pereira Fortes chamou a atenção para o fato de que os três primeiros cidadãos nomeados para integrarem a comissão não estavam em conformidade e que, apesar de probos, não poderiam desempenhar as funções por ocuparem cargos de juízes. Mesmo assim, a Câmara decidiu manter a nomeação.
Em 18 de setembro, Manoel Alvares Ferraz pediu para retirar-se da comissão, o que foi aceito, sendo nomeado em seu lugar Gonçallo Teixeira de Carvalho. Por sugestão do vereador Feliciano Pereira Fortes, em 1.º de outubro foi nomeado Ignacio Rodrigues de Carvalho como outro membro da comissão. Na mesma ocasião, o vereador solicitou que a comissão apresentasse o relatório de seus trabalhos.
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Ata de 7/10/1829 - CM/OF/A/002, fls. 15 a 16v |
Foi presente hum Officio da Commissão emcarregada das Prisoens, Civil, e Militar, que aberto, e lido, se vio dar a seguinte emformação. = Illustrissimos Senhores = A Commissão emcarregada da visita das Cadeas, Civil, e Militar desta Villa, havendo procedido ao cumprimento do seu Emcargo, tem a honra de levar á prezença dessa respeitavel Camara Municipal a informação do estado, em que achou estas Casas de prizão.
Não he sem exactissima verdade, que a Commissão qualifica tais prisoens desta Villa, mais similhantes á huma Caverna da habitação de Feras, do que a hum edificio destinado meramente á segurança dos Individuos, que devem responder perante a Leÿ.
E que outra denominação merecerá huma caza, que, tendo de frente quarenta e dois pés, de doze pollegadas, e de fundo vinte e dous, comprehende duas prisoens, a Militar, e a Civil; mormente quando se nota, que nesta pequenissima Área ainda se acha a rezidencia do Carcereiro, e o Salão da Guarda?
Ninguem poderá cabalmente pintar o horror, que inspira a Enxovia* da Prisão Civil! Esta Furna**, tem vinte pés de frente, e onze de fundo; e neste espaço virão-se já reunidas quinze pessoas prezas. Ali de ordinario se achão comfundidos individuos de ambos os séxos, de differentes côres, de diverças comdiçoens, e de delictos mais, e menos criminais; tambem individuos detidos, por correcção somente.
Não há uma só Tarimba***, onde repouze algum preso emfermo: o chão de pura terra está escavado em varios lugares, mostrando uma superficie escabrosa, e por isso bastante molesta á aquelles infelises. O ár infecto, que nesta masmorra se respira, a escassima luz, que lhe emtra pela pórta do Xadrêz, e o calôr intenso, que no verão a abraza, são outros tantos insoportaveis males, com que geme a humanidade neste terrivel Calabouço. A parte da Caza destinada para Prizão Militar não foi menos aquinhoada. Esta prisão he hum quadro de onze pés de frente, e outros tantos de fundo; e neste espaço, se recluzão os Militares, que se comdemnão á alguma detenção correccional. Assim appresenta em grande parte as mesmas qualidades mortiferas, que a Enxovia.
Tanto uma, como outra prizão não offerecem segurança alguma, pela sua má construcção; não sendo á principio edificada uma tal caza, para o destino, que tem tido.
A Commissão terminando tão desaggradavel exposição por seu objecto, não póde deixar de manifestar sua magoa por haver ainda emcontrado em ambas as Prizoens os medonhos instromentos da barbaridade do antigo systema, como são, o infame Tronco, os Grilhoens, e as Cadeas de ferro. Embora se queira justificar sua exhistencia, com a necessidade da segurança, que falta ás actuais Prisoens; nem por isso affligem elles menos aos Coraçoens sensiveis.
Finalmente pensa a Commissão, que se devem quanto antes promover alguns beneficios mais urgentes aos desgraçados prezos, como appromptarem-se-lhes tarimbas, onde durmão, aterrar o chão, que fique plano, e mui principalmente ampliar a Enxovia, e introduzir-lhe a competente lúz aliaz a conveniente luz, e ár, de que tanto carece: e isto emquanto senão edifica, como a humanidade instantemente reclama, uma Prizão, com aquellas particularidades, que a Constituição exige. Deus Guarde a Vossas Senhorias. Villa Nova de Sam João da Cachoeira, sete de Outubro de mil oito centos e vinte e nove. Illustrissimos Senhores Presidente, e mais Vereadores da Camara Municipal desta Villa. Ignacio Rodrigues de Carvalho = Francisco Jozé da Silva Moura = Gonçallo Teixeira de Carvalho = Joze Francisco Alvares Malveiro = Joze Custodio Coelho Leal Filho. (CM/OF/A-002, folhas 15v a 16v).
O ofício com as terríveis constatações deve ter causado mal-estar entre os vereadores, a ponto de na sessão seguinte, realizada em 8 de outubro de 1829, quando as discussões foram retomadas, o vereador Feliciano Pereira Fortes pedir a palavra para tecer suas considerações, chamando a atenção para o escândalo do uso do tronco, destacando que se seguia sendo utilizado à vista das autoridades da Vila, muito mais devia ser empregado nas capelas! Assim constou na ata:
Os Officios dirigidos aos Membros da Commissão davão-lhes este emcargo, tal qual a Lei o exprime, por que nada se lhes singularizava, o que se não conclúe das palavras = emcarregada da visita das Cadeias, Civil, e Militar desta Villa = responder-se-há, que a Commissão não podia, sem grande incomodo hir ás Capellas do Termo desta Villa, e em que gastarião muitos dias, principalmente porque o actual Juiz Ordinario, Francisco Jozé da Silva Moura, segundo a Leÿ, que regula a alternativa, entre elle, e o Juiz seu Companheiro, nam podia estar tanto tempo auzente da Villa: más eu me contentava que os Membros da Commissão nos ponderassem esta materia, ou pedissem esclarecimentos, assim como o referido Juiz Ordinario o pedio sobre o dia, em que a Commissão devia reunir-se, falo por esta forma, para que nos não accuzem de tão mesquinhos, que só olhamos para o que temos dentro do recinto da Villa.
Por tanto proponho, que se faça dar inteiro cumprimento ao Artigo cincoenta e seis da Leÿ da nossa Creação, e regimento, pelo que pertence ás Capellas do Termo desta Villa. E quanto ao que pença a Commissão, sobre os beneficios mais urgentes aos desgraçados presos, em quanto se não faz a Cadeia, que deve haver nesta Villa, não só julga muito á proposito, más exijo, que em todos os modos se faça huma Separação para a prizão das mulheres, sejão da classe, que forem, para não continuar o abuso, que notou a Commissão, o qual vai de encontro a Ordemnação Livro Primeiro, titulo trinta e trez, paragrafo quarto.
Sobre o Tronco sou de parecer, que se promova a sua extinção, visto ser Instromento que offende á Constituição, e cuja offença não póde disfarçar o colorido da necessidade da segurança, que falta á Prisão: e vista a sua materia, o Senhor Presidente pôz a discussão, e offereceo o Senhor Pessôa a seguinte emenda; que no Artigo em que diz, pro tanto proponho, que se faça dar inteiro cumprimento ao Artigo Sincoenta e seis da Leÿ da nossa Creação e regimento VS.ª = se diga = por tanto proponho, que esta Camara informe ao Concelho de Provincia na occasião, em que lhe remetter o extracto dos seus trabos [sic] [trabalhos], sobre o estado daquellas de Prisão, pertencentes ás Capellas do Termo desta Villa, não as considerando como Cadeias, e sim hum Depozito de hum, ou mais Individuos, que tem de ser remettidos para esta Villa, e que ali, só se demorão hum ou dois dias, em quanto não seguem; e vista a materia, depois de discução, foi posta á votação, e prevaleceu esta, com a emenda daquella e voltando-se á discução sobre o melhoramento da Cadeia, e instinção dos Troncos; se assuntou uniformemente, mandar-se fazer húa Tarimba, para repouso dos prezos, aterrar-se, e applanar-se o chão, e dividir-se o chadres dos homens do das mulheres, ficando esta administracção á cargo do fiscal, que de tudo ficou inteirado, e tractando-se da extinção dos Troncos ficou addiado por ser pedido adiamento pelo Senhor Presidente. (CM/OF/A-002, folhas 17 a 18)
Quanto às Ordenações Filipinas (Portugal, 1603), citadas na ata pelo vereador Pereira Fortes, no Livro I, Título XXXIII, § 4.º, consta que: E não consentirá, que se commettam na prisão alguns maleficios, assí como jogar dados, ou cartas, nem renegar, nem que os presos, ou outros homens de fóra durmam na prisão com as mulheres presas. E dormindo o Carcereiro com alguma dellas, ou consentindo que algum com ella durma, não sendo seu marido, mandamos que morra per ello****. E se se provar, que o Carcereiro teve com alguma presa algum acto deshonesto por vontade della, assi como abraçar, ou beijar, será degradado dez annos para o Brasil. E se tentar por força dormir com presa, posto que com ella não durma, por ella se defender, ou por lho tolherem, morra per ello.
Em sessão ordinária de 9 de outubro de 1829, voltando o assunto do relatório da comissão, os vereadores decidiram consultar o presidente da Província a respeito da extinção do tronco, instrumento de castigo que já então consideravam hediondo:
Voltando-se á discução da materia addiada, da emformação da Commissão emcarregada da visita das Prisões Civil, e Militar, sobre a extincçoes dos Troncos; offerecêo o Senhôr Vereador Pessôa a seguinte emenda, additiva á sua offerecida em Sessão de ontem a oppinião do Senhor Fortes = Fazendo-se vêr ao Comcelho de Provincia a impossibilidade, que há, em a Commissão ir visitar as prizoens daquellas Capellas pela desmarcada longitude: e posta a materia á votação, depois de discução, assim se assentou; officiando - digo assentou por uniformidade de votos; e tractando-se da extincção dos Troncos; se assentou informemente comsultar-se ao Excelentissimo Presidente da Provincia, sobre a forma da promoção desta estincção; cujo Officio se assignou, e seguio. (CM/OF/A/-002, folha 18v)
Quanto à cadeia, só em março de 1865 é que os presos passaram a ocupar dependências apropriadas na Casa de Câmara, Júri e Cadeia, obra concluída no ano anterior.
As "cavernas da habitação de feras" de quase duzentos anos atrás, seja pela forma de aplicação das penas ou pelos resultados alcançados, constituem ainda hoje inquietação, discussão e angústia para a sociedade.
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Ata de 8/10/1829 - CM/OF/A-002, fls. 16v a 18 |
Página de rosto (1603) das Ordenações Filipinas - Wikipédia |
Em sessão ordinária de 9 de outubro de 1829, voltando o assunto do relatório da comissão, os vereadores decidiram consultar o presidente da Província a respeito da extinção do tronco, instrumento de castigo que já então consideravam hediondo:
Voltando-se á discução da materia addiada, da emformação da Commissão emcarregada da visita das Prisões Civil, e Militar, sobre a extincçoes dos Troncos; offerecêo o Senhôr Vereador Pessôa a seguinte emenda, additiva á sua offerecida em Sessão de ontem a oppinião do Senhor Fortes = Fazendo-se vêr ao Comcelho de Provincia a impossibilidade, que há, em a Commissão ir visitar as prizoens daquellas Capellas pela desmarcada longitude: e posta a materia á votação, depois de discução, assim se assentou; officiando - digo assentou por uniformidade de votos; e tractando-se da extincção dos Troncos; se assentou informemente comsultar-se ao Excelentissimo Presidente da Provincia, sobre a forma da promoção desta estincção; cujo Officio se assignou, e seguio. (CM/OF/A/-002, folha 18v)
Quanto à cadeia, só em março de 1865 é que os presos passaram a ocupar dependências apropriadas na Casa de Câmara, Júri e Cadeia, obra concluída no ano anterior.
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Antiga Casa de Câmara, Júri e Cadeia - atual Museu Municipal - Foto de Renato F. Thomsen |
Grades da antiga prisão na Casa de Câmara, Júri e Cadeia - Foto de Renato F. Thomsen |
* Enxovia: cárcere térreo ou subterrâneo, escuro e úmido.
** Furna: caverna, gruta.
*** Tarimba: cama dura, desconfortável.
**** Morra per ello: antiga expressão usada para dar sentença de morte a um condenado; o mesmo que "morra por isto".
MR
** Furna: caverna, gruta.
*** Tarimba: cama dura, desconfortável.
**** Morra per ello: antiga expressão usada para dar sentença de morte a um condenado; o mesmo que "morra por isto".
MR
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