Quando D. João VI assinou o alvará que criou o município de Cachoeira, em 26 de abril de 1819, atribuiu-lhe o nome de Vila Nova de SÃO JOÃO da Cachoeira. É provável que as negociações que antecederam a criação da Vila tenham partido da promessa de homenagear D. João VI denominando a novel povoação com o santo de sua devoção. Um documento da época refere a gratidão
(...) pela Alta Mercê que Vossa Majestade Inclinando seus Reaes Ouvidos as Submissas e reverentes suplicas dos habitantes desta Villa, se dignou liberalizar roborando Sua Majestade esta Graça com aotra especial deDar a esta sua Villa por Patrono o Grande Santo do Seu Immortal Nome (...) (CM/OF/TA/-008, fl. 01).
Os anos se passaram e nenhuma reverência ao santo se verificou, esvaziando de sentido o nome da Vila. Até que em 21 de janeiro de 1830 a ata da sessão ordinária da Câmara registrou uma curiosa oferta:
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CM/OF/A-002, fl. 28v |
Vio-se hum Officio do Juiz de Paz da Freguezia desta Villa, João Nunes da Silva, offertando á Camara a quantia de duzentos mil reis em materiais Telha, e Tijollo para quando se houvesse de erigir a Capella de Sam Joam na Praça do Pelourinho; e que quando esta se edifficasse na rua de sua residencia podia a Camara dispôr do Terreno que precizasse; e vista a sua materia, ordenou-se ao Secretario promptificasse o Officio accusando o recebimento daquelle, declarando-se por isso na Acta, que foi recebido com especial agrado.
Certamente em razão de seu nome, o juiz de paz e juiz almotacé (encarregado da taxação dos preços dos gêneros alimentícios) João Nunes da Silva, português de nascimento, era devoto de São João e percebia a "desatenção" da vila com seu padroeiro. A oferta de recursos e materiais para levantamento de uma capela prova isto.
Outra observação interessante que se pode fazer à luz deste documento é o local oferecido, a Praça do Pelourinho (hoje José Bonifácio), o que denota verdadeiramente o deslocamento do eixo de desenvolvimento e a expansão da Vila para além dos domínios da Igreja Matriz. Outra razão era a fé do juiz que queria ter perto de sua residência um local de devoção ao santo.
A capela a São João nunca foi erguida. O santo de devoção de Sua Majestade D. João VI e do juiz João Nunes da Silva nem sequer teve força para permanecer atrelado ao nome de Cachoeira. Histórias como esta, envolvendo atos de fé e decisões políticas, são uma das tantas possibilidades oferecidas pelo rico acervo documental do Arquivo Histórico.
Que neste Dia do Patrimônio Histórico-Cultural lembremos da significação e importância que a existência e manutenção de instituições como o Arquivo Histórico podem ter para a conservação e disseminação da memória e para a afirmação da nossa identidade cultural.
MR
Parabéns por preservar e divulgar tão preciosos documentos.
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