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Matadouro modelo

Todo ano o intendente do município tinha que prestar contas de seu mandato ao Conselho Municipal, similar à Câmara de Vereadores de nossos dias. No relatório, todas as ações, iniciativas, obras, melhoramentos, despesas e investimentos tinham que ser informados. Os relatórios eram geralmente impressos, mas também publicados na imprensa para serem dados ao conhecimento público. 

No relatório apresentado pelo intendente José Carlos Barbosa, na sessão ordinária do Conselho Municipal realizada em 20 de setembro de 1929 (IM/GI/AB/Re-006, pp. 27 e 28), um dos assuntos de destaque foi o Matadouro Municipal. Havia preocupação com o abate de animais e as questões de higiene: 

Com o intuito de dotar a cidade de um matadouro modelo, onde as prescrições de higiene fossem rigorosamente observadas, acautelando a saude da população, a administração anterior pretendeu construir um matadouro modelo, tendo mandado organisar um projecto que attendia perfeitamente ao fim collimado.

Em seguida, foram publicados os editaes de concurrencia para a construcção e exploração pelo prazo de 20 annos, do matadouro, visto a municipalidade achar-se na impossibilidade de mandar construir, a sua custa, um estabelecimento de tal natureza, onde fosse abatido todo o gado destinado ao consumo da população.

Ao encerrar-se a concurrencia, apresentaram-se dois interessados, cujas propostas foram julgadas por uma commissão especialmente nomeada pelo então intendente dr. João Neves da Fontoura, para dar parecer.

Attendendo a razões de ordem economica, temerosa de que a concessão pudesse se tornar um instrumento de vexatorio privilegio, contrario aos interesses da população, a commissão foi de parecer que se mantivesse o stato-quo até que, em tempo opportuno, fosse dada melhor solução ao assumpto.

Não querendo, por uma questão de ethica administrativa contrariar o parecer, a administração encontrou meios de resolver a questão pela Lei n.º 274, de 30 de novembro de 1928, pela qual foi consignada forte tributação aos fornecedores de carne verde para o consumo publico cujo gado não fosse abatido em matadouros do typo prescripto pelas posturas municipaes.

Immediatamente as duas firmas interessadas no fornecimento de carne verde á população requereram licença a construcção de matadouros modernos, tendo os projectos apresentados merecido a approvação da secção de obras publicas municipaes.

Um destes estabelecimentos já está em pleno funccionamento e a construcção do outro deverá ficar concluida dentro de poucos dias.

O valor de cada um desses matadouros é de cerca de 100:000$000.

Deste modo, a cidade fica dotada de dois modernos matadouros, cujas condicções de hygiene obedecem rigorosamente ás prescripções regulamentares.

Resolvido, assim, o problema quanto á hygiene, resta, ainda, encaral-o sob outro aspecto.

Refiro-me ao preço pelo qual é vendida a carne á população.

(...)

A lei referida no relatório foi publicada na edição do dia 5 de dezembro de 1928, do jornal O Commercio:

Lei n.º 274, de 30/11/1928
- O Commercio, 5/12/1928, p. 1

O intendente seguiu explicando que as duas firmas que vinham explorando o fornecimento de carne à população tinham requerido aumento do preço, sem aumento dos impostos municipais, em razão da baixa do couro e da escassez de gado em condições de ser abatido.

Para definição das medidas a serem adotadas, o assunto foi confiado a uma commissão composta de distinctos cidadãos, criadores, industrialistas e do alto commercio local para, com a pratica e o conhecimento que dimanam das funcções que exercem no seio da sociedade, formular o seu parecer sobre tão importante questão, informou o intendente no relatório.

Tais documentos remetem a outros, demonstrando quantas relações são possíveis estabelecer entre as séries e subséries documentais no acervo do Arquivo Histórico.  Há uma portaria ao tesoureiro autorizando o pagamento de dois serviços ao arquiteto Julio Rieth*: a construção de um pilar na ponte sobre o arroio da Porta e o projeto de um matadouro modelo.

IM/RP/SF/P n.º 286

Recibo assinado pelo engenheiro Julio Rieth
- IM/RP/SF/P n.º 286

Seria o matadouro projetado por Julio Rieth o bem inventariado que se localiza na Travessa Ibicuí? 


Matadouro - prédio inventariado - COMPAHC


As associações de documentos ainda não permitiram a conclusão. Em caso afirmativo, ficaria Cachoeira do Sul com mais um exemplar da excelente arquitetura desenvolvida pelo alemão que viveu largos anos por aqui, deixando um legado correspondente ao que hoje é considerado patrimônio histórico em Stuttgart, Alemanha.


Construções de Julio Rieth em Stuttgart - Alemanha 
- Vera Grieneisen

Uma das tantas edificações do arquiteto alemão em Cachoeira:

Antigo Colégio Imaculada Conceição - hoje Totem
- Renato Thomsen


*Julio Rieth: Ernst Julius Rieth, natural de Würtenberg (1/4/1871), formou-se na Koeniglich Baugewerbeschule, de Stuttgart, em 1904. Fixou-se em Cachoeira no ano de 1914, onde realizou várias e importantes obras, dentre as quais o Colégio Imaculada Conceição, a casa Dickow, a casa 500, pontes e outras dentro e fora do município. Faleceu em 31/7/1945 e está sepultado no Cemitério Municipal. 

MR

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