Pular para o conteúdo principal

João Neves na Academia Brasileira de Letras

Há 85 anos o advogado João Neves da Fontoura, figura máxima da vida política cachoeirense, foi eleito para assumir a cadeira número 2 na prestigiada Academia Brasileira de Letras - ABL. A eleição se deu em 19 de março de 1936 e a posse ocorreu em 12 de junho de 1937.

João Neves com o fardão da ABL - 
Museu Municipal


O interessante é que João Neves assumiu a cadeira que havia pertencido ao escritor Coelho Neto, a quem, muitos anos antes, conduzira em visita a Cachoeira.

O jornal O Commercio de 25 de março de 1936, na primeira página, traz a notícia:

Eleito para a vaga de Coelho Netto. - Foi eleito para a vaga aberta com a morte do grande intellectual brasileiro Coelho Netto, na Academia Brasileira de Letras, o nosso illustre conterraneo e um dos maiores talentos do parlamento nacional - Dr. João Neves da Fontoura, que alcançou esta victoria com grande maioria de votos, e cujo acontecimento muito vem honrar a terra que lhe deu o berço (...)

O Commercio, 25/3/1936, p. 1

Quando tomou posse na ABL, em seu discurso constou uma interessante reflexão:

No relógio da minha vida muitas horas tenho ansiosamente esperado que soem. Todos nós temos as nossas horas esperadas e, aguardando-as, seguimos os ponteiros, contando febrilmente os minutos, que quase sempre são duros anos decepcionados – ou porque a hora nunca chega a soar ou, se soa, nunca traz a apetecida alegria, se é que as longas e dolorosas vigílias não esfumam nas tristezas da demora as luzes, que de longe nos pareciam solares. 

A alegre constatação de se ver membro da ABL: 

Decerto por isso a hora de entrar na Casa de Machado de Assis foi para mim, de todas as minhas horas, a que esperei melhor. Nunca a perturbou a agitação de outras que aguardei para longo descrer, nem a envenenou a paixão das lutas, que transformam em gotas de sangue ou lágrimas o ouro que as assinala no mostrador. E assim, para saborear a ventura da espera sem quebrar-lhe o encanto, não me apressei a transpor esta ilustre soleira. (...) 

E a inegável motivação da sua escolha, uma vez que João Neves era reconhecidamente um loquaz orador que dos palanques políticos fez vibrar muitas vezes os seus pares:

Venho do tumulto da vida pública começada na adolescência. Percorri-a toda, conheço-lhe os acidentes da inconstante geografia. Atravessei prados floridos, galguei montanhas íngremes, desci ladeiras alucinantes, palmilhei desertos intermináveis. Entre a ordem e a revolução, o que era e o que devia ser, atormentado pela sede não conformista dos homens do meu tempo, e satisfazendo os próprios anseios renovadores, varei com os da minha geração os dias de angústia que coube viver à pátria brasileira.

(...)

Habituado às disputas eleitorais, nunca me intimidaram os comícios e, tantas vezes tenho querido, quantas as urnas me têm enviado às casas da representação política. Outra, porém, é a forma de investidura vitalícia deste Senado da Inteligência. Só a ele se chega pelo sufrágio de censo alto. Aqui são poucos os que escolhem, simbolizando nos seus votos todas as fontes da soberania mental do país.

E no final do longo discurso, aludindo seus antecessores na cadeira número dois, disse:

Álvares de Azevedo e Coelho Neto! Repetindo-lhes os nomes cresce em mim a noção dos deveres que acompanham a herança esmagadora. Tenho de aceitá-la, porque assim o pedi e assim o quisestes. Resta-me o recurso ao benefício de inventário. Nem eu conseguiria jamais saldar-lhe os compromissos. Fico sendo aqui, por uma confirmação do destino, uma sombra entre dois clarões.

Se na Academia Brasileira de Letras João Neves da Fontoura sentia-se uma sombra entre dois clarões, na memória da nossa história seu legado jamais se apagará.

MR

Comentários

  1. É impressionante o volume de informações e textos de João Neves da Fontoura que se encontra em Portugal, onde foi embaixador. Uma produção intelectual digna da sua genialidade.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Casa da Aldeia: uma lenda urbana

Uma expressão que se tornou comum em nossos dias é a da "lenda urbana", ou seja, algo que costuma ser afirmado pelas pessoas como se verdade fosse, no entanto, paira sobre esta verdade um quê de interrogação!  Pois a afirmação inverídica de que a Casa da Aldeia é a mais antiga da cidade é, pode-se dizer, uma "lenda urbana". Longe de ser a construção mais antiga da cidade, posto ocupado pela Catedral Nossa Senhora da Conceição (1799), a Casa da Aldeia, que foi erguida pelo português Manoel Francisco Cardozo, marido da índia guarani Joaquina Maria de São José, é mais recente do que se supunha. Até pouco tempo, a época tida como da construção da casa era dada a partir do requerimento, datado de 18 de abril de 1849, em que Manoel Francisco Cardozo: querendo elle Suppl. Edeficar umas Cazas no lugar da Aldeia ecomo Alli seaxe huns terrenos devolutos na Rua de S. Carlos que faz frente ao Norte efundos ao Sul fazendo canto ao este com a rua principal cujo n

Hospital da Liga - uma obra para todos

Interessante recobrar a história de construção do Hospital da Liga Operária, o gigante do Bairro Barcelos, que se ergueu sob a batuta do maestro do operariado cachoeirense: o vereador José Nicolau Barbosa. E justamente agora que o município planeja desapropriá-lo para nele instalar o sonhado curso de medicina. José Nicolau Barbosa apresentando a obra do Hospital da Liga Operária - Acervo familiar O sonho do Nicolau, como ficou conhecido o empenho que aplicou sobre a obra, nunca chegou a se realizar, uma vez que a edificação não pôde ser usada como hospital. Ainda assim, sem as condições necessárias para atendimento das exigências médico-sanitárias, o prédio de três andares vem abrigando a Secretaria Municipal de Saúde. Mesmo desvirtuado de seu projetado uso original, mantém o vínculo com o almejado e necessário atendimento da saúde do trabalhador cachoeirense. O Jornal do Povo , edição de 1.º de março de 1964, traz uma entrevista com José Nicolau Barbosa, ocasião em que a reportagem do

Bagunça na 7

Em 1870, quando a moral e os bons costumes eram muito mais rígidos do que os tempos que correm e a convivência dos cidadãos com as mulheres ditas de vida fácil era muito pouco amistosa, duas delas, Rita e Juliâna, estavam a infernizar moradores da principal e mais importante artéria da Cidade da Cachoeira. Diante dos "abusos" e das reclamações, chegou ao subdelegado de polícia da época, Francisco Ribeiro da Foncêca, um comunicado da Câmara Municipal para que ele tomasse as necessárias providências para trazer de volta o sossego aos moradores. Rua 7 de Setembro no século XIX - fototeca Museu Municipal A solicitação da Câmara, assinada pelo presidente Bento Porto da Fontoura, um dos filhos do Comendador Antônio Vicente da Fontoura, consta de um encadernado do Fundo Câmara Municipal em que o secretário lançava o resumo das correspondências expedidas (CM/S/SE/RE-007), constituindo-se assim no registro do que foi despachado. Mais tarde, consolidou-se o sistema de emitir as corresp