Em tempos de pandemia, quando os protocolos sanitários ditam distanciamento, uso de protetor facial e muita higienização, eis que uma pérola salta das páginas do jornal O Commercio, de 7 de setembro de 1921. Trata-se de uma composição jocosa em versos, assinada com as iniciais A. V., em que o tema é a contagiosa gripe.
Em primeiro lugar, é preciso contextualizar a época, 1921, e entender que há pouco o mundo tinha enfrentado a pandemia da gripe espanhola, que teve início em 1918 e durou até dezembro de 1920. Um terço da população mundial foi contaminada, vitimando cerca de 100 milhões de indivíduos. Em Cachoeira, a espanhola atingiu cerca de 3.000 pessoas, com 29 vítimas até o final de 1918. Nos anos de 1919 e 1920 os números arrefeceram, assim como as mortes. Portanto, a memória da gripe estava bem presente, assim como as suas nefastas consequências e o medo que causou.
A. V. eram as iniciais de Arnaldo Vaz, pseudônimo utilizado pelo advogado e poeta Ernesto Barros, que costumeiramente contribuía com o jornal O Commercio, mantendo a coluna "Caraguatás". O nome da coluna alude à planta popularmente conhecida como gravatá, da família das bromélias, espinhenta e bastante comum nos campos. Como a planta, as colunas de Ernesto Barros "espinhavam" os leitores, ou seja, tratavam de temas delicados de forma bem humorada.
Abaixo, a transcrição de A Grippe, publicada na primeira página da edição d'O Commercio, de 7 de setembro de 1921:
Caraguatás
A Grippe
A Joaquina, ha tempos já casada,
Julgava-se feliz co'o João Sabino.
Parecia um destino
Esta santa união.
Elle, trabalhador, ella caseira,
Assim, desta maneira,
Trabalhavam os dois, sempre de olho,
A´espera do pimpolho.
Tiveram a Josepha, muito edosa,
Como a mais perfeita das serventes
Pois era desses entes
De bello coração.
A velha do serviço dava conta
A boia tinha prompta,
Quando vinha o João, só á tardinha
Beijar a Joaquininha.
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A Josepha morreu; dera-lhe a grippe.
Foram, então, a ver creada nova,
Queriam della a prova
De boa cosinheira,
Que acordasse ao romper da madrugada,
Que, ao toque da alvorada,
Lhes servisse o café, inda na cama,
Ao patrão e á ama.
Veio uma moça lá dos arrabaldes
E era uma belleza a Ludovina,
De pelle muito fina,
De avelludado olhar,
Ligeira no fazer qualquer guisado,
Perita num assado,
Que ao João encantou, já de chegada
A tal nova creada.
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Certa manhã, a dona Joaquininha
Que dormia, acordou sobressaltada,
Pois vio-se abandonada
Sem ter perto o seu Bem.
Levantou, qual se fôra um furacão,
Em procura do João
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E encontral-o foi, junto da creada,
Que já estava grippada.
A. V.
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Ernesto Barros |
O cachoeirense Ernesto da Silva Barros era filho de Henrique Manoel da Silva Barros e de Percília Barros. Destacou-se nas letras, escrevendo em prosa e verso. Em 1903, foi propagador e grande incentivador da fundação de um hospital, ocasião em que lançou o pungente artigo intitulado "Apelo aos corações generosos", conclamando os cachoeirenses a se unirem à ideia. O hospital foi inaugurado em 1910 e Ernesto Barros recebeu o título de Fundador e Grande Benfeitor do Hospital de Caridade e Beneficência.
Quanto aos criativos versos d'A Gripe, entenda o leitor a alfinetada do autor!
MR
A história funde-se com a arte!
ResponderExcluirA história funde-se com a arte!
ResponderExcluirE como se funde! Obrigada, Veri, por apreciar o blog.
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