Porque desappareço do cenario da "vida"
Sinto que se me vão fugindo as forças. Falta-me a illusão da vida. Ha quasi doze mezes, quando appareci aos olhos da população local, avida de novidades, eu era uma criança loura, cheia de esperanças. Trazia o enthusiasmo que domina os corações fortes, os corações engrandecidos pela ambição justa de ser famoso, popular e bemquisto. Vaguei num mar de rosas sem espinhos.
Por muito tempo eu fui a attenção das tardes domingueiras, quando os cafés regorgitavam de commentarios. Sempre fui um sorriso amavel.
Hoje, porém, derradeira vez que me animo a vir à rua, trago nas minhas paginas um rictus de colera, um desfallecimento visivel e um desprezo enorme pelos que me envenenaram. - Porque? - direis vós! -
Pensaes acaso que possaes viver sem alimento algum? Pensaes que podereis andar sorrindo, quando vosso estomago se comprime sobre o vácuo que produz a fome?
- De certo, não! Eis tambem porque não posso mais encher as ruas com as estridulas risadas que desabrochavam espontaneas, quando andei no auge do engrandecimento.
No vagalhão da crise, que avassalla o mundo, debati-me heroicamente como um cyclope, mas que querieis? Grandes casas bancarias falliram. Porque não poderia eu ter um deslize na cotação da bolsa, voltando a zero o cambio, que estivera ao par?
Sinto-me velho, alquebrado; luctei com estoicismo admiravel; tudo inutil. Prefiro, pois partir para a sepultura fria do esquecimento publico, levando commigo um odio eterno aos "CALOTEIROS", causa de meu suicidio.
Com o meu desapparecimento, eclipsa-se tambem o freio que consegui metter ao sem-vergonhismo, ás falcatruas torpes dos amorais, que vão se espalhar agora num desmedido afan de descontar um anno de reclusão obrigatoria.
Despeço-me, pois, dos carissimos leitores. Vou ler, pela derradeira vez, "A COSTELLA DE ADÃO" de Berillo Neves e em seguida tomarei um calice do mortifero veneno: OPINIÃO PUBLICA e amanhã eu já estarei dormindo o somno eterno que os máus me desejaram ardorosamente...
Adeus, vida cachoeirense
O SORRISO
Esse interessantíssimo editorial do jornal O Sorriso, cuja coleção completa foi repassada ao Arquivo Histórico pelo Museu Municipal, foi a despedida de sua circulação, em 5 de dezembro de 1931. Jornal crítico, humorístico, noticioso e literário, O Sorriso era dirigido pelo Pássaro Azul, pseudônimo de Eliseu Guidugli, e Major Avatar, nome utilizado por Lauro Falkenbach, circulando quinzenalmente. Sua existência foi efêmera, mas deve ter sido bem marcante.
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Última edição de O Sorriso, 4/12/1931 |
A primeira página da derradeira edição n.º 24, traz manchetes que levam o leitor a pensar que se tratam de mensagens de um suicida. E de fato o jornal põe fim à sua existência justificando ter cumprido seu compromisso, apesar de ter sido barrado em seu intuito pela má vontade de muitos assignantes recalcitrantes que ficaram em debito com a (...) folha.
Servir-se do caso do jornal O Sorriso também é uma forma de chamar a atenção para um dos problemas da sociedade atual que, premida pelos problemas de seu tempo, extremamente agravados pela pandemia, vê a cada dia ocorrerem casos de pessoas que como o jornal põem termo à sua existência. Desde 2015, foi iniciada uma campanha brasileira de prevenção ao suicídio denominada Setembro Amarelo. A escolha de setembro faz com que a campanha coincida com o mês em que recai o Dia Nacional de Prevenção ao Suicídio, que transcorre em 10.
O Arquivo Histórico, com seu manancial de documentos e excepcional acervo de imprensa, é capaz de localizar referências do passado que se aplicam com maestria no presente.
MR
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