Há 100 anos, no dia 1.º de abril de 1922, falecia em Lisboa, o diplomata e poeta cachoeirense Antônio Vicente da Fontoura Xavier, mais conhecido como Fontoura Xavier.
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Fontoura Xavier - Museu Municipal |
Consagrado pela obra Opalas, onde exibe todo seu talento e erudição, Fontoura Xavier acabou por se tornar conhecido justamente como o "Poeta das Opalas". A obra é considerada um marco do parnasianismo rio-grandense e brasileiro e foi editada pela primeira vez, em Porto Alegre, no ano de 1884.
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Opalas, edição de 1905 - www.traca.com.br |
Para marcar o centenário do falecimento de Fontoura Xavier, buscamos no Acervo de Imprensa, mais especificamente no jornal O Commercio, edição de 5 de abril de 1922, a repercussão de sua morte na terra natal, estampada na primeira página:
Embaixador Fontoura Xavier
Telegrammas vindos de Lisbôa para a imprensa porto-alegrense dão-nos a triste nova do repentino fallecimento, ocorrido em 31 de março*, do nosso illustre conterraneo, inspirado poeta e eminente diplomata Antonio Vicente da Fontoura Xavier, que, desde os ultimos mezes de 1919, era embaixador do Brasil em Portugal.
Fontoura Xavier estava jantando, em companhia de sua filha e do conselheiro da embaixada brasileira, sr. Graça Aranha, quando, sentindo-se mal, retirou-se para o quarto de toilette, onde, depois, cahiu com uma syncope cardiaca, que o victimou.
Morreu em plena atividade, pois ainda nesse dia estivera no parlamento portuguez, conferenciando com o ministro dos Extrangeiros sobre as medidas a serem tomadas pelo governo brasileiro para auxiliar aos aviadores portuguezes que estão emprehendendo o raid** Lisboa-Rio, prestando-lhes a possivel assistencia e facilitando todos os meios de communicações.
Os jornaes de Lisboa publicaram o retrato do extincto embaixador, acompanhando-o de sentidos necrologios e de algumas notas biographicas sobre o seu modo de ser como artista e a sua acção como diplomata.
Nos edificios publicos da capital portugueza, nas redacções de muitos jornaes e nas residencias dos brasileiros em Lisbôa, foi collocada a meia haste a bandeira brasileira.
O governo portuguez, reunido no ministerio do interior, resolveu fazer o funeral do extincto diplomata, prestando-lhe honras de chefe de Estado.
Os mais distinctos membros da colonia brasileira, bem como as personalidades officiaes, velaram o corpo.
Em nome do governo e da nação portugueza, o dr. Barbosa Magalhães, ministro do Exterior, e o secretario particular do presidente da Republica, apresentaram pezames á viuva do extincto.
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Fontoura Xavier era natural desta cidade, onde nasceu no anno de 1856, alcançando, portanto, a idade de 66 annos. Deixa viuva e uma filha.
O nosso illustre confrade Correio do Povo, de Porto Alegre, publicou o retrato do diplomata extincto, acompanhando-o das seguintes notas biographicas:
"Fontoura Xavier iniciou bem cedo e com grande successo a sua vida litteraria, impondo-se pelo prestigio do seu talento e por uma solida e invejavel cultura.
Não tendo conseguido, por motivo de saude, bacharelar-se em direito, entregou-se fervorosamente á poesia, e pelas qualidades excepcionaes conquistou a admiração de um critico das exigencias e da severidade de Sylvio Romero.
Em 1877, estreiou-se com o "Regio Saltimbanco", pamphleto em verso, prefaciado por Lopes Trovão e que fez grande ruido, tendo sido a sua edição completamente exgottada.
Mais tarde, em 1884, publicou "Opalas", que o sagraram um dos melhores poetas lyricos da época. Elle foi, na poesia brasileira, o creador do "triolet"***, que cultivou com carinho.
Fontoura Xavier tomou parte activa na propaganda republicana, e aquelle mesmo pamphleto "Regio Saltimbanco" é uma prova de como elle se deixára empolgar pelo movimento.
A carreira diplomatica de Fontoura Xavier foi verdadeiramente brilhante. Iniciou-a elle em 1885, quando foi nomeado consul geral do Brasil em Baltimore, sendo em 1891, removido para o Porto.
Em 1892 foi promovido a consul geral de 2.ª classe, na Suissa, indo depois para a Argentina, como consul geral de 1.ª classe.
Foi ainda consul geral em Nova York e Havana, sendo mais tarde promovido a ministro residente na America Central, de onde saiu elevado a ministro plenipotenciario em Londres.
Principalmente neste ultimo posto conduziu-se com grande brilho e verdadeiro senso diplomatico, honrando sobremodo a representação do seu paiz na capital britanica.
Ha tres annos, culminando na sua carreira, foi chamado a substituir Gastão da Cunha na embaixada em Lisbôa, em cuja plena actividade a morte o surprehendeu, hontem.
E' de todos conhecido o modo que que se vinha conduzindo nesse posto, imprimindo um grande brilho á nossa representação."
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O dr. Annibal Loureiro, intendente municipal, assim que soube do infausto passamento, mandou hastear, a meio páu, a bandeira nacional no edificio da Intendencia, e baixou um decreto instituindo luto por 3 dias.
S. s. tambem telegraphou á Embaixada brasileira em Lisbôa, apresentando, em nome deste municipio, sentidos pezames e pedindo que os mesmos fossem transmittidos á Exma. familia do morto.
O Commercio, associando-se á dôr geral, apresenta seus pezames á familia Xavier, representada nesta cidade por numerosos membros.
Quanto ao triolé, uma das marcas da poesia de Fontoura Xavier, em Opalas, sua obra principal, destaque para o poema nesse estilo intitulado Brinde:
Brinde
Eu bebo à manhã de amores,
Manhã em que os meus sapatos
E os teus mignons sapatinhos,
Os teus cobertos de flores,
Os meus cobertos de lama,
Lama e flores dos caminhos,
Encontraram-se juntinhos,
Pisando na mesma grama.
E bebo à noite de amores,
À noite, em que os meus sapatos
E os teus mignons sapatinhos,
Os teus cobertos de flores,
Os meus cobertos de lama,
Lama e flores dos caminhos,
Encontraram-se juntinhos
Debaixo da mesma cama...
(Extraído de Opalas, CPL-PUCRS, 1984, p. 31)
Antônio Vicente da Fontoura Xavier era membro da Academia Rio-Grandense de Letras e é o patrono da Cadeira n.º 11 da Academia Cachoeirense de Letras.
*Ao contrário do publicado no O Commercio, as biografias de Fontoura Xavier dão como data de falecimento o dia 1.º de abril de 1922.
**raid (aportuguesado para raide): incursão.
***triolet (triolé na grafia atual): versos com oito sílabas poéticas e apenas duas rimas, composição surgida no século XVI e retomada pelos poetas parnasianos na segunda metade do século XIX.
MR
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