Às vésperas do Dia dos Namorados, encontramos no jornal O Commercio, ano de 1906, a reprodução de um interessante concurso que o jornal carioca O Paiz instituiu entre senhoritas para saber qual o perfil de moços elas consideravam ideal para o noivado.
Aqueles eram tempos em que os casais passavam pela etapa do namoro e depois pelo noivado, quando oficialmente o homem procurava a família da moça para pedir-lhe a mão em casamento. Nessa época era muito comum também os casamentos por conveniências. Os tempos mudaram bastante, por isso é muito interessante observar as expectativas e os níveis de exigência das mulheres do início dos anos 1900 na busca dos seus pares perfeitos.
![]() |
Imagem: pngwing.com |
O concurso para moças promovido pelo jornal O Paiz solicitava às inscritas que respondessem à pergunta: Qual o vosso noivo ideal? Das várias inscritas, o jornal selecionou três respostas que julgou mais interessantes, atribuindo-lhes primeiro, segundo e terceiro lugares. O Commercio reproduziu a matéria do colega carioca em duas edições: 30 de maio e 13 de junho de 1906.
![]() |
O Commercio, 30/5/1906, p. 2 |
A primeira colocada, uma moça de nome Marietta Abreu, depois de considerar vários quesitos, concluiu que o seu noivo ideal seria:
O noivo que eu sonho deve ser um homem que realize o justo equilibrio entre a faculdade de attingir os pincaros onde florescem as rosas maravilhosas do talento, e a de facilmente descer de lá, quando necessario fôr, para ganhar o pão que a Terra dá. Quero-o capaz de comprehender uma pagina de Wagner* e uma operação da Bolsa**, susceptivel de penetrar com a mesma facilidade o symbolismo de um Mallarmé*** ou uma lição de economia do Sr. Leroy Beaulieu****. Quero-o á altura de attingir todos os beneficios do pão espiritual e todas as consolações que nos offerece o pão terreno. Pois não será este o verdadeiro noivo ideal?
Para a jovem Marieta, portanto, o noivo ideal tinha que ser capaz de transitar com a mesma facilidade entre o lirismo e o pragmatismo.
A segunda colocada usou o pseudônimo Mindinha e disse o seguinte sobre o seu noivo ideal:
Seduz-me a idéa de encontrar um noivo
Que a mais ninguem possa inspirar paixão,
Sujeito vesgo, de nariz torcido,
Baixo, tão baixo, que pareça anão;
Magro, careca, desdentado e velho,
Impertinente, rabugento até,
E que em amores tenha sido sempre
Coió sem sorte, caipóra Zé;
Tão exquizito, que, ao sahir commigo,
Alguem, fitando o seu horrendo rosto,
Exclame logo, admirado, pasmo:
- Pobre pequena, como tens máu gosto;
E assim, tranquila, de ciume isenta,
Despreoccupada, sem pesar, sem lida,
Graças ao cobre do famoso velho,
Serei ditosa e gosarei a vida.
Para Mindinha, portanto, o noivo ideal seria aquele que não despertasse a inveja das outras, antes pelo contrário, mas que servisse para lhe financiar os prazeres da vida!
A terceira colocada, Mlle. Art Nouveau, descreveu em minúcias o noivo ideal:
Gosto dos poetas, adoro os litteratos, admiro os politicos, sou louca pelos bravos militares! Mas, sem ser velha, já passei dos vinte; sem ser horrenda, não sou bella; sem ser aguia, não sou nenhuma arara.
- Muito tenho visto e observado.
- O poeta, procura a sua musa fóra do lar e vive na quebradeira.
- O escriptor não procede de outra fórma e soffre tambem da incuravel molestia de algibeira murcha.
- O politico, a não ser um homem de verdadeiro valor, o que é raro, ao primeiro ponta-pé de um governador rabugento fica reduzido a zero!
- O militar só tem meios de dar bem estar á mulher quando ella já está velha, e, além disso, póde caber-nos por sorte um destes typos que, á primeira commissão perigosa, ficam rheumaticos, paralyticos e nunca passam de tenentes.
Nada. Estes não servem.
- O meu ideal é o negociante, titular apatacado... physicamente... saudavel, intellectualmente... boa pessoa, vaidoso, gostando de receber em seus salões a élite das letras, do congresso e das armas!
- Assim, bem vestida, bem penteada, pintada, arrebicada, rutilantes os dedos, as unhas luzidias, eu seria a musa dos poetas, a inspiradora dos romancistas, receberia as homenagens do pessoal acima citado, sem ter, entretanto, de occupar a incommoda posição de mulher de nenhum deles!
Oh! supremo goso!
Ser invejada das minhas amigas, que discutirão desde os meus pentes bordados de pedrarias até o fio delicado das minhas meias de seda!
(...)
Ah! esqueci-me do principal: o meu futuro marido deve ser mais velho do que moço... Não ha fortuna que resista a uma prole numerosa, e as crianças incommodam tanto!
Como se depreende do texto da mademoiselle Art Nouveau, o ideal mesmo era ser considerada a rainha e a fonte dos suspiros de muitos homens. Mas se fosse para casar, que pudesse ser com alguém que não a submetesse ao ideal feminino de seu tempo, o de ser dona de casa e mãe de família. Não havia glamour que resistisse a isto!
*Richard Wagner: compositor, maestro, ensaísta e diretor de teatro alemão.
**Bolsa de valores: mercado organizado para negociações de ações de sociedades de capital aberto.
***Stéphane Mallarmé: poeta e crítico literário francês.
****Leroy Beaulieu: economista francês.
MR
Comentários
Postar um comentário