A questão do fechamento do comércio aos domingos é muito mais antiga do que se imagina. No momento em que uma decisão tomada entre a classe patronal e a dos trabalhadores do setor decreta o fechamento dos supermercados aos domingos, em Cachoeira do Sul, surgem discussões contrárias e favoráveis à medida. O certo é que tal situação está muito longe de ser inédita.
No ano de 1895, a questão foi posta à apreciação do então intendente municipal, Coronel David Soares de Barcellos, levando-o a um ato administrativo, de número 24, que revogou a obrigatoriedade de abertura do comércio aos domingos, expressa no artigo 200 das Posturas Municipais.
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Comércio na Rua 7 de Setembro, proximidades do Mercado Público - Fototeca Museu Municipal |
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Cel David S. de Barcellos - O Commercio (1904) |
Eis o conteúdo do documento:
N.º 24. Firmado na unanime representação do commercio d'esta cidade, pedindo a decretação de uma lei, que obrigasse o fechamento das portas, aos domingos durante todo dia, inclui no codigo de Posturas Municipaes o art. n.º 200, attendendo a esse pedido. Na pratica vejo ser inexequivel similhante disposição, visto que a maioria dos negociantes que por ella se empenharam, reconhecem actualmente a impossibilidade de a cumprirem, e são forçados, em obediencia a interesses superiores, a infringir constantemente essa postura, occasionando o seu desprestigio e inspirando justos desgostos contra minha administração. Alem de outros, exponho os motivos seguintes, os quaes serão bastantes para justificar - o presente acto de revogação de referido artigo: - . Ha muitos negociantes residindo sem companhia, ou com familia, nos compartimentos occupados com negocio ou industria, e com muita magua supportam, o vexame de concervar suas portas fechadas durante um dia inteiro, semanalmente; as pessoas pobres muitas veses não podem adquirir, nos sabbados, o necessario para a vida, e ficam aos domingos, privadas de satisfazer essa necessidade; - os compradores de fóra da cidade, que com suas carretas, chegam nos sabbados, não podendo carregalas no domingo - ou perdem esse dia, (com grave damno quasi sempre) ou obrigam os negociantes a infringir a lei, commettendo um acto acremente censurado pelos seus collegas, os quaes apezar de procederem pela mesma forma, desejam entretanto a punição dos outros, e accusam os empregados municipaes de não cumprirem seus deveres; - a administração do municipio deve limitar-se a agir no interesse publico, sem arrogar-se o direito de obrigar alguem a trabalhar ou deixar de trabalhar, a fechar portas ou deixar de fazel'o, aos domingos, ou em qualquer dia, conforme dispõe o Codigo Penal, art.º 204. É livre aos interessados contractarem entre elles essas obrigações, sendo lhes facil punir, cobrando multa judicionalmente, aos que não cumprirem, evitando assim acarretar sobre a administração publica, tanta aversão, quando ella precisa do apoio e simpathia de todos, para funccionar proficuamente em beneficio da ordem, e progresso do municipio. Finalmente, não sendo essa medida de interesse geral, nem inspirada no bem publico, tendo por unico movel o desejo que os petticionarios tinham de descansar um dia p.r semana, ficam a estes livre em direito, sem prejuizo d'aquelles, que sendo inimigos do ocio, queiram empregar seu tempo como entenderem, gosando assim, sem pêas, da liberdade bem entendida, que lhes é garantida pela nossa Constituição. Fica revogado o artigo n.º 200 do Codigo de Posturas Municipaes. Publique se e cumpra se.
Secretaria da Intendencia, 10 de Junho de 1895
David Soares de Barcellos
Intend. Municipal
IM/GI/DA/ADLR-002, fls. 20 a 21.
Ao contrário de hoje, em 1895, quando o intendente revogou o artigo número 200 do Código de Posturas, deixou os comerciantes ou industrialistas à vontade para manterem as portas abertas ou fechadas no domingo. O ato de revogação traz justificativas de sua decisão e dá um panorama de muitas situações do comércio cachoeirense daquele tempo.
Em 2023 as coisas são diferentes, pois a abertura dos supermercados está condicionada àqueles que poderão fazê-lo com mão de obra familiar.
Em síntese, qualquer medida de ordem pública sempre acarretará contentes e descontentes.
MR
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