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"Meu adorado Nuto!"

 Meu adorado Nuto! - meu idolatrado,  meu querido Nuto, desapparecido a 7 para 8 do corrente - são as exclamações contidas em um escripto intitulado "Um apello ás mães" inserto na Secção livre do nosso confrade Correio do Povo, edição de 15 do corrente, e assignado por d. Amelia de Oliveira.

No fim do escripto, diz a autora: 

"Quero elle recrutado, quero-o moribundo, quero-o morto, mas eu quero sair desta indecisão. Oh!... minhas congeneres ouvi estas supplicas!... ellas não são loucas, são tão razoaveis, não é? Se nossos filhos estão sendo roubados para serem carneados nos campos, parece que devemos protestar contra o facto de tão impiedoso crime; se se tratasse de uma guerra, eu seria a primeira a vestir o meu Nuto, e dizer: Segue filho!... defende a tua patria!... Encarae a minha dôr, até a vacca, a gata, a galhinha [sic], enfim todas as mães se conformam em parte quando morrem seus filhos, mas quando os perdem, uma berra, a outra cacareja, a outra mia desesperadamente; nós choramos".

Como se vê, a autora faz allusões ao recrutamento, affirmando, vagamente, que o seu filho foi recrutado.

Por um esforço da nossa reportagem, tambem interessada em esclarecer o desapparecimento mysterioso e minorar as afflições dessa mãi [sic] desesperada, conseguimos saber que o seu filho Nuto está, felizmente, vivo e são, tendo chegado, no dia 9, a esta cidade, onde trabalha no Engenho Cachoeirense, do sr. Felippe Roberto Matte, proximo á estação ferro-viaria. 

Na manhã de sabbado, vimol-o a trabalhar naquelle estabelecimento.

Esta notícia, reproduzida do Correio do Povo, de Porto Alegre, pelo O Commercio, de Cachoeira, em sua edição de 21 de março de 1923, além de refletir a angústia de uma mãe que vivia o drama de imaginar ter sido seu filho recrutado, apresenta o alívio de um final feliz.

Amélia Oliveira, a mãe, ao ver seu filho desaparecido, imediatamente deduziu ter sido ele recrutado para lutar em mais uma das tantas revoluções que pululavam na história do Rio Grande do Sul entre o final do século XIX e início do século XX. Tratava-se, desta feita, da Revolução de 1923, ensejada pela não aceitação de mais uma condução de Borges de Medeiros à presidência do estado. 

Muitos jovens, impulsionados pela ânsia da juventude ou por incitações e inclinações políticas, foram para os campos de batalha, sujeitos à barbárie de embates violentos. Cerca de 1.000 vidas foram ceifadas, em ambos os lados, ou seja, dentre os borgistas e os assisistas, enlutando famílias e desesperando as mães.

Esta situação, apesar do distanciamento no tempo, certamente emocionará as mães que lerem o apelo desesperado de D. Amélia Oliveira, assim como lhes trará alívio pela notícia de estar o jovem empregado num engenho de arroz em Cachoeira. Passado o susto, a mãe aliviada certamente não deixaria de repreender o filho pela atitude de sair sem avisá-la. 

O Engenho Cachoeirense, de Felippe Roberto Matte, onde Nuto se empregou, ficava próximo da Estação Ferroviária. Beneficiava e esmaltava arroz.

Engenho Cachoeirense - Grande Álbum de Cachoeira, de Benjamin Camozato (1922)

De Nuto não houve mais notícias no jornal, mas certamente o jovem inconsequente com os sentimentos da sua mãe deve ter sido acolhido por ela com todo o amor - e algumas boas ralhadas. Afinal, mãe é mãe, hoje ou há 100 anos!

MR

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