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Encampação do serviço de água e esgoto em troca de dívidas com o estado

A situação das finanças municipais mostra-se um desafio permanente para os administradores. Compromissos patronais, com fornecedores, obras e investimentos necessários para colocar a máquina pública em funcionamento, com vistas a atender exigências funcionais e, principalmente, demandas da comunidade, costumam comprometer a receita que oscila e se mostra cada vez mais refém das políticas adotadas e até mesmo das condições climáticas.

Em 1945, no final da Segunda Grande Guerra Mundial, Cachoeira do Sul vivia situação de aperto financeiro, com dificuldades de honrar empréstimos contraídos em meados da década de 1920, tomados para dar cabo das grandes e importantíssimas melhorias urbanas e de saneamento básico.

Condutos de água (1925) - foto A. Saidenberg - AP 51

Advêm deste tempo as ações que, tomadas para mitigarem as dificuldades, acabaram por colocar na mão do estado um dos serviços básicos imprescindíveis e até então prestados pelo município - o de água e esgotos. Banhada pelo rio Jacuí, Cachoeira do Sul é, certamente, uma das mais cobiçadas praças para empresas de tratamento e distribuição de água.

Próximo de reconduzir as negociações com a sucessora da CORSAN, empresa que tratava e distribuía água e esgoto para Cachoeira do Sul desde 1965, ano de sua criação pelo estado, é bom conhecer a história da concessão desse serviço.

O Jornal do Povo, de 15 de abril de 1945, em suas páginas 1 e 6, traz o seguinte:

Encampada Pelo Govêrno Estadual

 Dívida Externa do Município, bem como o Empréstimo por êste contraído com o Tesouro Estadual

O reajustamento dos funcionários municipais - Outros assuntos da administração do município

Conforme é do conhecimento público, o Município de Cachoeira, para poder atender às despezas decorrentes dos serviços de saneamento da cidade, bem como do calçamento das ruas centrais, obras estas iniciadas em 1926, viu-se forçado a recorrer, naquela época, a um empréstimo externo mais ou menos avultado, o qual foi realizado com banqueiros americanos.

Mais tarde, quando as referidas obras já estavam em vias de conclusão, viu-se ainda a Municipalidade compelida a contrair nova Dívida, desta vez de menor vulto, com o Tesouro do Estado, afim de poder completar as despezas necessárias à terminação daqueles serviços.

Tratando-se de um Município que possue uma grande extensão territorial, com uma grande rêde rodoviária, que necessita ser constantemente reparada e provida de inúmeras pontes e pontilhões, visto ser o seu território recortado grandemente por rios e arroios, as despezas efetuadas anualmente pela sua Administração, para atender aos serviços de premente necessidade para a sua vida, não permitiram que pudessem os seus administradores atender aos compromissos assumidos por ocasião da assinatura do Empréstimo Externo, quais sejam os de pagamento de juros e amortizações a êle referentes.

Assim sendo, apreensivos, assistiam os administradores da Comuna agravar-se gradativamente a situação financeira desta, em razão da impossibilidade de atender àqueles supra-mencionados compromissos. Entretanto, Cachoeira sempre foi considerada uma das Comunas mais ricas do Rio Grande do Sul. Grande produtora, possuindo uma vasta zona colonial onde se colhem produtos suficientes para o consumo de seus cem mil habitantes, como os de outros pontos do Estado e do País, além de contar com uma extensa zona pastoril onde pasta um dos maiores rebanhos bovinos da região central do Rio Grande do Sul e em cujas várzeas se colhe em épocas normais cêrca de um milhão e meio de sacas de arroz, Cachoeira via-se, máu grado isso, privada de uma vida de desafôgo para a sua Administração, em face da grande dívida que a esta asfixiava. Seus dirigentes, preocupados com essa situação, tentaram vezes inúmeras, encontrar um meio para que fossem contornadas essas dificuldades e, dos estudos por todos realizados, parece que se chegou a uma única conclusão: o remedio estava na encampação dessa Dívida pelo Govêrno do Estado, em troca da cessão a este de determinadas rendas municipais.

O atual prefeito, sr. Cyro da Cunha Carlos, ao assumir o Govêrno Municipal, jamais esmoreceu no propósito de levar a bom têrmo as negociações nêsse sentido. Os estudos que se vinham processando ultimamente em tôrno dêsse assunto, tiveram em s. s. um interessado persistente, que só descansou quando viu perfeitamente ultimada a tarefa. Há dias, levado á Capital do Estado por assuntos que interessam à vida do Município e à sua Administração, s. s. ali se encontra e assistiu agora o fim das "demarches", que consistiu na aprovação unânime, de parte dos membros do Conselho Administrativo do Estado, da encampação mencionada acíma, aprovação essa que teve logar na sessão realizada pelo mesmo Conselho no dia 12 do corrente.

Em tróca da encampação feita pelo Estado, das Dívidas referidas acima, cede a Municipalidade, a êste o Patrimônio pertencente aos Serviços de Água e Esgôto da cidade, bem como a exploração dêsses mesmos serviços por um determinado espaço de tempo. 

Segundo notícias que colhemos de fonte bem informada, o Govêrno do Estado, assim que tomar a si os Serviços em apreço, o que terá logar dentro de breve tempo, pretende ampliar a rêde atual de agua e esgoto, estendendo-a aos pontos da cidade onde mais estão necessitando dêsse saneamento, mórmente a Avenida Brasil e o Alto dos Loretos. Por isso, será construido mais um reservatório de água, o qual será localizado provavelmente na atual rua 4 do Alto dos Loretos.

Segundo conseguimos ainda apurar, será creada nesta cidade uma Residência para Serviços Industriais, de diversos municípios, pois, como se sabe, êsses serviços, em todos os municípios, passarão em breve a serem controlados pelo Governo Estadual.

Serviço de calçamento no Bairro Rio Branco (1926) - Fototeca Museu Municipal

Calçamento da Rua 7 de Setembro (1926) - Fototeca Museu Municipal

Na edição do dia 14 de agosto de 1945, do mesmo Jornal do Povo, a notícia:

ASSINADO O CONVÊNIO DE ENCAMPAÇÃO DA DÍVIDA DO MUNICÍPIO

Foi assinado, dia 8 do corrente, em P. Alegre, o convênio pelo qual o Govêrno do Estado encampa a dívida externa do município de Cachoeira do Sul:

Encampando esta dívida, cujo montante atinge a 12 milhões de cruzeiros, o Estado recebe, em troca, o Serviço de Águas e Esgôto, cujo valor histórico é de 4 milhões e oitocentos mil cruzeiros: A partir de 1.º de setembro, portanto, êste serviço já estará nas mãos do Estado. Foram transferidos, da Prefeitura para êstes serviços, os srs. dr. Bruno Jalfim, que passará a ser engenheiro residente e o sr. Virgílio Soares de Abreu, que passará a ser o contador-tesoureiro do Serviço.

É interessante salientar que o Prefeito Ciro Carlos assinou a ata dêste convênio no dia 8 de agôsto, justamente no dia de seu aniversário. Foi assim o melhor presente que recebeu, pois, como governador do município, foi sempre êste o seu maior anelo, já que êste convênio deixaria, como de fato deixou, uma situação desafogada para o município. 

Cachoeira do Sul, fica assim, apenas com a dívida interna, contraída com o Banco do Rio Grande do Sul, e que será paga em condições especialíssimas, isto é, em 30 prestações anuais de 270 mil cruzeiros, segundo convênio já firmado para sua integral liquidação.

Prefeito Cyro da Cunha Carlos 
- Fototeca Museu Municipal

De lá para cá, Cachoeira do Sul reduziu sua área territorial, perdendo boa parte da rica área colonial, deixou de ser grande produtora de arroz e, a despeito de outros avanços, tem amargado dificuldades de toda ordem que expõem dia a dia a fragilidade das finanças municipais. 

Às vésperas de celebrar um novo contrato para prestação do serviço de fornecimento, tratamento e distribuição de água e esgotos, é importante analisar com critério e transparência as vantagens que a população de Cachoeira do Sul terá com a concessão, bem como garantir que o saneamento se faça com qualidade e universalidade, pois dele dependem outros fatores cruciais para o desenvolvimento municipal, especialmente a saúde. 

Quanto aos gestores, espera-se deles a devida, criteriosa e justa aplicação dos recursos auferidos com a exploração do serviço de água e esgotos, bem como o respeito ao patrimônio natural, ambiental e histórico-cultural, representado no conjunto de elementos que compõem a história do saneamento municipal.

MR

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