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"Um dia é da caça, outro do caçador"

A notícia transcrita aqui vem do Jornal do Povo de 21 de dezembro de 1954. Vivia Cachoeira do Sul,  naquele tempo, situação análoga à de hoje, quando estava no comando do executivo municipal o vice-prefeito no exercício do cargo de prefeito. Análoga apenas na condição administrativa, pois que o titular, Virgilino Jayme Zinn, havia se afastado do cargo voluntariamente e não por questões judiciais, licenciando-se para tratar de assuntos de interesse particular. Em seu lugar assumiu o Capitão Henrique Fonseca Ghignatti.

Mas não é este o caso da postagem. O que a motivou foi mostrar um deslize ocorrido no serviço público e que foi trazido ao conhecimento de todos por pedido do próprio prefeito ao ser provocado por um vereador.

Diz a notícia: 

Em nossa secção "Atividades da Câmara", publicamos domingo último um pedido de informações do vereador Odeval Carneiro, dirigido ao Executivo, sôbre a situação dos fotógrafos ambulantes.

Pedido de informações - Jornal do Povo, 19/12/1954, p. 2

Solicita-nos agora, o sr. Prefeito Municipal a publicação da cópia do ofício dirigido à Câmara de Vereadores, em resposta ao assunto:

"Exm.º Sr.

Presidente da Câmara Municipal de Vereadores

Nesta Cidade.

Recebeu êste Executivo, o pedido de informações formulado pelo Vereador Odeval da Silva Carneiro versando sôbre "qual o artigo do Código de Posturas Municipais ou de qualquer outra lei que manda os fotógrafos ambulantes distarem cem (100) metros um do outro."

Em resposta, informo a V. Excia., que as medidas estabelecidas pelo Prefeito, no sentido de localizar os fotógrafos ambulantes que estacionam na Praça Baltazar de Bem, numa determinada distância, foram tomadas afim de evitar futuros desentendimentos entre aqueles profissionais e resguardar o público que necessita recorrer ao serviço dos mesmos, das inevitaveis solicitações oriundas da concorrência. 

O Executivo Municipal, respeitando a Lei, acredita, porém, que surjam problemas não previstos nos textos legais e, portanto, devem ser solucionados de acôrdo com o bom senso. 

O Vereador que subscreve o pedido de informação que estamos respondendo, já encontrou em sua vida profissional um problema cuja solução não está contida nas leis ou regulamentos que regem as obrigações dos funcionários municipais, mas, que, entretanto, o citado Vereador procurou dar uma solução, que foi alterada pelo Executivo Municipal. O Vereador em aprêço, no periodo em que exercia o cargo de enfermeiro municipal, durante três longos meses, aplicou injeções no funcionário Aparício Prüss embora o paciente não mais constasse como funcionário do Município, por ter falecido, justamente, três meses antes. Seria o caso de perguntar ao enfermeiro Odeval Carneiro, em que preceito legal se baseou para, contrariando até os ensinamentos da medicina, continuar ministrando injeções num morto durante noventa (90) dias, esperdiçando, assim, tempo e dinheiro dos cofres municipais.

Valho-me do ensejo para reiterar a V. Excia. e aos dignos senhores Vereadores, os meus protestos de elevada estima e distinguido aprêço, subscrevendo-me atenciosamente.

(ass) HENRIQUE  FONSECA GHIGNATTI

Vice-Prefeito Municipal em Exercício


Capitão Henrique Fonseca Ghignatti
- Cachoeira do Sul em busca de sua história, de Angela S. Schuh e
Ione M. S. Carlos, Martins Livreiro-Editor, 1991

Antes não tivesse o vereador dado publicidade no jornal ao seu pedido de informações. Uma vez divulgado e querendo ele "mostrar serviço", coube ao prefeito dar o troco, revelando publicamente  seu escorregão... Aqui bem se aplica o ditado: "Um dia é da caça, outro do caçador".

MR

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