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Apelo da filha do Barão

Uma senhora, apresentada com o nome de Clotilde do Rio Branco, filha do Barão do Rio Branco, enviou uma carta datilografada ao intendente de Cachoeira oferecendo uma obra de sua arte. Até aí uma oferta que poderia ser classificada como comum, pois as cartas eram expediente muito utilizado e eficiente na comunicação entre as pessoas.  Mas o que causa desconforto é perceber que a filha do Barão do Rio Branco, figura ímpar na história do Brasil e com grande relevância na política nacional e internacional do país entre o final do século XIX e início do século XX, tenha legado aos seus descendentes uma vida de apertos e privações financeiras.  Aliás, condição que parece ter sido a de praticamente toda sua vida, especialmente porque ao longo dela se viu muitas vezes obrigado a auxiliar as filhas em maus casamentos e a outros membros de sua família.

Clotilde da Silva Paranhos - www.geni.com

O conteúdo da carta, arquivada em IM/S/SE/CR-025, é o que segue:

Exm.º Sr. Dr. Annibal Loureiro
D.D. Intendente Municipal

Com o maior respeito e estima saúdo V. Exa.

Depois de paciente labor e de ter empregado todo o esmero de arte, ao meu alcance, na que me fiz educar, compuz o quadro - O BRAZIL NA GUERRA.
Fil-o, não somente com lidimo intuito patriotico, mas tambem por circumstancias imperiosas de bem merecer de meus patricios, os grandes homens deste paiz, a que meu Pae, o Barão do Rio Branco, deu todas as luses de sua capacidade e todas as forças de seu patriotismo.
Viuva, com dois filhos, e com uma pensão exigua de 400$000, que o Congresso, em reverencia á memoria delle, me concedeu, a minha vida economica me corre precaria, em meio de difficuldades imaginaveis.
Não sei se esse quadro tem o merito que os de competencia technica me asseguram.
O que sei é que confio merecer os valiosos officios daquelles que qual V. Exa. na grande obra da organisação liberal de nossa patria, collaboraram, victoriosamente, de companhia com meu Pae.

Clotilde do Rio Branco

Rio de Janeiro, 81 rua do Rezende. sob.º

IM/S/SE/CR-025

A carta da filha do Barão não tem data, mas foi dirigida a Annibal Lopes Loureiro, intendente municipal de Cachoeira, entre 1920 e 1924. Nota-se, em sua redação, o grau de instrução de Clotilde, sua fluência e capacidade intelectual, além dos dotes artísticos que lhe deviam ser comuns para ter feito semelhante oferta. 

Não há resposta do intendente, denotando que talvez seu pedido nem tenha sido considerado. O fato é que os apertos financeiros da filha do Barão advinham de um "mau casamento", e da cessação da ajuda do pai, falecido em 10 de fevereiro de 1912.

São conhecidas as dificuldades financeiras que o Barão do Rio Branco enfrentou, assim como a boa condição de vida que facultou à família, tendo em vista as capitais europeias em que viveu, os círculos aristocráticos que frequentou. 

Barão do Rio Branco - https://www.maconariatupiniquim.com.br/

Maria Clotilde havia se casado em novembro de 1898 com o pequeno comerciante francês Henri Hebert, de quem se desquitou depois. Morreu em 12 de dezembro de 1949, deixando dois filhos maiores e nenhum bem. A profissão indicada no assento de óbito era a de pintora* e o estado civil "desquitada". Na carta ao intendente declarou-se viúva, provavelmente para se resguardar dos preconceitos da época. 


MR

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