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Indiscutível razão para um estudo da vida do indígena

Na década de 1960, existia uma publicação voltada aos professores chamada Revista do Ensino. Fundada na década de 1950 pela professora Maria de Lourdes Gastal, tinha supervisão técnica pelo Centro de Pesquisas e Orientação Educacionais da Secretaria de Educação Cultura de São Paulo. Era distribuída para todo o Brasil e servia de roteiro para o processo de ensino-aprendizagem nas escolas. Muitos professores eram assinantes da revista e se serviam dela para o seu trabalho no magistério.

Uma coleção incompleta da revista foi doada ao Arquivo Histórico por Maria de Jesus Uebel, de Agudo - RS, e consta como Arquivo Particular n.º 85.

Pois uma destas revistas, a de número 105, do ano de 1965, traz uma matéria especial sobre o indígena brasileiro, "apresentando em seu conteúdo, numa seqüência de artigos, um documentário mais ou menos completo dos traços de sua cultura, ressaltando o que há de belo, curioso e sobretudo històricamente significativo, no campo do estudo da organização da vida brasileira."

No intuito de marcar a passagem de mais um Dia dos Povos Indígenas, em 19 de abril, o blog traz a visão de quase 60 anos sobre a questão dos indígenas brasileiros e com que perspectiva o assunto era trazido para dentro das salas de aula na década de 1960.

Na revista, logo depois da introdução acima transcrita, aparece uma apresentação da problemática em texto assinado pela Professora Paulina Vissoky:

Revista de Ensino - texto da Prof.ª Paulina Vissoky

"HÁ UMA INDISCUTÍVEL RAZÃO PARA UM ESTUDO DA VIDA DO INDÍGENA

Ele está presente desde o momento em que tem início a formação da estrutura sócio-econômica e cultural de nossa gente.

Quando das primeiras relações de raça e cultura, o português em menor número foi pouco a pouco se relacionando com o elemento nativo: ao índio recorreu nas suas necessidades de trabalho na defesa contra as investidas estrangeiras, nas conquistas dos sertões: à mulher índia, na formação da família brasileira. E, não só em base física veio constituir-se a índia em presença constante, mas também como valioso elemento de cultura, sobretudo de cultura material.

Presente ainda está em nossos dias, como elemento humano no contexto social, às vêzes mais isolado, conservando certa autonomia, preservando mais definidamente seu patrimônio cultural; outras, em contato mais permanente com as populações rurais, adaptando-se às suas condições, pronto a receber e a contribuir, vai assimilando-se ao tipo do caboclo, do seringueiro, levado pelas crescentes necessidades econômico-sociais.

Nestas vêzes, "igualmente mestiçados, vestindo a mesma roupa, comendo os mesmos elementos poderiam passar por caboclos se êles próprios não estivessem certos de que constituíam um povo à parte e não guardassem uma espécie de lealdade a essa identidade étnica.

Prof.ª Paulina Vissoky"

A revista publicou, depois do texto reproduzido acima, artigo da Professora Cláudia Strauss, intitulado "O indígena brasileiro - sua origem". Ela faz uma rápida abordagem sobre as então divergentes teorias de origem do índio brasileiro e conclui afirmando que a "análise do problema prende-se à razão de fornecer o ponto de partida para um estudo mais detalhado sôbre os aspectos que dão à vida de nosso índio características próprias, tôdas elas de interêsse indiscutível. O material que publicamos nesta Revista atestará nossa afirmativa..."

Indígenas brasileiros em exposição no Memorial dos Povos Indígenas - foto Leopoldo Silva

No próximo número da Revista de Ensino (106), já no ano de 1966, a grande matéria de abertura do exemplar é sobre o Museu do Índio, em texto apresentado pelo antropólogo Dr. Geraldo Pitaguary. 

O Museu do Índio, com sede no Rio de Janeiro, havia sido fundado em 1953 e, com a transferência da capital federal para Brasília, depois de muitos percalços e do fechamento das suas atividades, foi o acervo transferido para lá e inaugurado como Memorial dos Povos Indígenas somente em 1999.

Memorial dos Povos Indígenas - foto: Daderot - Wikipédia

Em toda a edição o indígena brasileiro foi o assunto, abordado em seus aspectos sociais e culturais, com destaque para a alimentação, os tipos de habitação, saúde e higiene, arte corporal, produção e uso de canoas, agricultura, armas, classificação de idiomas dos grupos indígenas, arte, música, dança, religião e legado. A revista faz também uma alusão especial ao Marechal Rondon e à catequese a que os índios foram historicamente submetidos.

E por se tratar de uma revista voltada para o processo de ensino-aprendizagem, traz orientação de atividades para o estudo dos índios, propondo trabalhos em sala de aula de organização de álbuns com recortes de jornais e revistas, levantamento de vocabulário de termos indígenas mais conhecidos e em uso, museu escolar e de classe reunindo objetos autênticos de indígenas, campanha de esclarecimento sobre o índio brasileiro, acompanhada de arrecadação de produtos para alimentação, vestuário e livros para doação às crianças indígenas, audição de canções e outras mais.

Exemplos de atividades com os alunos propostas pela revista

Diz o editorial da revista:

"Acreditamos que o professor, ciente da marcante influência do indígena na formação de nossa cultura, de nossa sociedade, não poderia deixar de dar realce a todos os aspectos positivos desta contribuição. Assim, o desenvolvimento de um trabalho que envolva o assunto em questão deverá ser antecedido por uma seleção criteriosa dos conteúdos a serem tratados tendo o professor sempre em vista o nível de adiantamento e as condições sócio-culturais de sua classe."

Resguardada a distância temporal das revistas de 1965/1966 com a atualidade do processo ensino-aprendizagem, oportuno relembrar o quanto as escolas e os professores seguem a desempenhar papel fundamental para introduzir a juventude brasileira no conhecimento de sua própria cultura.

Vivas aos indígenas brasileiros e à riqueza que acrescentam ao nosso país!

MR

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