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Série Documentos da imigração alemã em Cachoeira: o difícil alemão!

Os primeiros colonos alemães que desembarcaram na Colônia Santo Ângelo, além de todo estranhamento a que foram submetidos em razão das diferenças abissais entre o seu mundo original e o mundo novo que se apresentava, enfrentaram muitos desafios. Um dos maiores, certamente, foi o da língua. Entre eles e no dia a dia da convivência, a comunicação fluía sem dificuldades. Mas e como se entender com o povo local e, principalmente, com as autoridades, de quem dependiam e para as quais necessitavam se reportar toda vez que alguma questão surgia?

Segundo o historiador Aurélio Porto, o primeiro intérprete que se tem notícia, ou seja, a pessoa que primeiramente comunicou-se em alemão com os colonos recém-chegados e traduziu as conversas para o português foi Carl Janssen, que veio no primeiro vapor que aportou na Colônia em novembro de 1857.

No dia 5 de novembro de 1857, o presidente da Câmara de Cachoeira, Miguel Cândido da Trindade, entendendo a importância e necessidade de um intérprete para os colonos, mandou contratar o prussiano Eduardo pelo valor diário de 192 réis, conforme atesta o documento seguinte, constante em CM/DA/AD-001, fl. 24v:

Autorização de contrato de Eduardo para intérprete dos colonos - 7/11/1857
- CM/DA/AD-001, fl. 24v 

Transcrição do original:

Reconhecendo ser de necessidade um enterprete para os Colonos deliberei contratar com o Pruciano Eduardo pela quantia de 192 r diarios em quanto aqui se achassem os mencionados Colonos. Esta contrata foi feita em 5 do corrente dia em que chegarão os supraditos Colonos. Villa da Cachoeira 7 de Novembro de 1857.

Trindade

V.or presid.e

O prussiano Eduardo certamente é o mesmo Eduardo Germano Gustavo que aparece em outro documento mandando pagar o seu ordenado de intérprete por 30 dias de trabalho vencidos no último dia de abril de 1858:

Ordem de pagamento ao intérprete Eduardo Germano Gustavo [Sachoswit?] - 3/5/1858
- CM/DA/AD-001, fl. 26
Transcrição do original:

Em virtude do Certificado do Encarregado dos Collonos, João Teixr.ª de Carv.º e Silva mandei pagar ao interprete dos Collonos Eduardo Germano Gustavo [Sachoswit] trinta mil reis de seo ordenado de trinta dias vencidos no ultimo d'Abril proximo pdº. Villa da Cachoeira 3 de Maio de 1858. 

(CM/S/SE/RE-002, fl. 208v)

Antes disso, em 12 de novembro de 1857, o vereador Miguel Candido da Trindade, presidente da Câmara da Vila da Cachoeira, em ofício ao presidente da Província do Rio Grande do Sul, assim escreveu:

N.º 30 = Illmº Senrº = Cabendo-me presidir esta Camara por auzencia do Veriador mais votado nos dias em que aqui chegarão as ultimas remessas dos Alemans, que vão formar a Colonia deste Municipio denominada Santo Angelo, fez-se sentir sensivelmente a necessidade de um enterprete e não havendo tempo de pedir o beneplacito de VEx.ª para preencher uma tal falha sem fazer passar essas familias por males talvez irremediaveis; pois que a direção e o professor só por symtomas sem as precizas explicações eximião-se de receitar-lhes, lembrei-me, que VEx.ª por effeito da humanidade que o caracteriza, levaria a bem que eu ajustasse como ajustei para interprete o artista Alemão aqui morador, Eduardo Germano Gustavo, que tendo de abandonar sua officina para empregar-se neste mister, não achei descomedido o ordenado que exigio de dois mil reis diarios; teve lugar este vencimento sob minha deliberação desde o dia 5 ate hoje em que chegando dessa um Veriador mais votado do que eu a elle amanhã entregarei a presidencia desta Camara fasendo constar em meu officio o expediente que tomava respeito do interprete Eduardo do que dou a VEx.ª a devida participação para resolver o que for de Justiça = Deos Guarde a VEx.ª muitos annos = Villa da Cachoeira 12 de Novembro de 1857 = Illmº Exmº Sen'r Senador Angelo Muniz da Silva Ferras = Digno Presidente desta Provincia = Miguel Candido da Trndade Veriador Presidente. -

Ofício do vereador presidente ao presidente da Província - 12/11/1857
- CM/S/SE/RE-002, fl. 208v

Como se vê pelos documentos acima transcritos, a questão do entendimento da língua - o difícil alemão - foi resolvida imediatamente pelas autoridades municipais, pois sem o prestimoso serviço do intérprete seria inviável o processo de assentamento dos primeiros colonos aportados nas terras da Colônia Santo Ângelo, assim como aqueles que, a caminho dela, permaneceram por um tempo na Vila da Cachoeira.

MR 

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