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As primeiras eleições

É através das eleições que os cidadãos escrevem a história de seus municípios, estados e país. E o processo eleitoral tem sua própria história.

Atentemos para o panorama geral das eleições e como elas se processaram em alguns momentos da história de Cachoeira do Sul que, obviamente, seguiam as determinações legais adotadas em todo o país.

Durante o período colonial brasileiro, anterior à independência em 7 de setembro de 1822, as eleições ocorriam nas vilas, a exemplo do que se deu em Cachoeira no dia 5 de agosto de 1820, data da instalação do município. Naquele dia, para assegurar a autonomia municipal e a condução dos destinos da Vila Nova de São João da Cachoeira, foram eleitos os três primeiros vereadores: João Soeiro de Almeida e Castro, Joaquim Gomes Pereira e Francisco Joze da Silva Moura. Os documentos que relatam as providências tomadas naquele dia histórico não dão ciência de como foi realizada a eleição nem quem foram os eleitores. O fato é que, naquela época, votavam os chamados "homens bons", ou seja, os que eram proprietários e participavam de alguma forma da vida pública, tanto civil como militarmente. Os eleitos também se enquadravam no perfil dos eleitores. Soeiro de Almeida era capitão-mor, Joaquim Gomes Pereira, capitão, e Francisco Joze Moura, como os demais, era proprietário de vários terrenos.

Constam no Auto de Publicação da Eleição de Vereadores (CM/OF/TA-008, fls. 7 a 8) 16 assinaturas, além das do Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca, Joaquim Bernardino de Senna Ribeiro da Costa, e do escrivão Antonio Jozé Soares de Campos. Provavelmente foram estes signatários, ditos "homens bons", os eleitores dos três primeiros vereadores, cujas assinaturas não constam dentre as demais, indicando que não estavam presentes no ato.

Um ano antes da independência, o voto passou a extrapolar o âmbito municipal e começaram a acontecer eleições de eleitores para as juntas paroquiais. E é de 1822 o segundo livro com esta finalidade que restou salvo na documentação preservada no Arquivo Histórico. Interessante que a data de sua abertura é 26 de agosto de 1822, ou seja, poucos dias antes do grito do Ipiranga. 

Livro 2 - Eleição dos eleitores da Paróquia de N. S.ª da Conceição da Cachoeira
- Ano de 1822 - CM/E/A-002

Na abertura do livro está registrado o que segue:

Folha de abertura do Livro 2 - CM/E/A-002 - 26/8/1822

Este Livro hade Servir para a Acta das Eleicoes da Junta Parochial da Freguezia de Noca Snrª da Comceicão da Cachoeira Comforme as Instrucoes a que Serrefere o Real De Cretro de tres de Junho do corrente anno que manda Convocar huma Asemblea Geral Constituinte e Legislativa para o Reino do Brazil e leva no fim o termo de inceramento Vila Nova de S João da Cachoeira 26 de Agosto de 1822

Constantino Joze Pinto

Veriador Juis de Fora pela Lei

O decreto referido na abertura do livro das atas das eleições de eleitores, emitido em 3 de junho de 1822, e enviado por José Bonifácio de Andrada e Silva, mandava convocar uma assembleia geral constituinte e legislativa que seria composta por deputados das províncias do Reino do Brasil. 

Em Cachoeira, foram reunidos na Igreja Matriz os cidadãos residentes na vila e nas capelas filiais, sob a presidência do "vereador mais velho e Juiz de Fora pela Ley Constantino Joze Pinto". Depois da missa ao Espírito Santo, celebrada pelo vigário Ignacio Francisco Xavier dos Sanctos, foram os cidadãos presentes reunidos sob a coordenação de Constantino Joze Pinto. Lidas as instruções,  foram escolhidos como escrutinadores os cidadãos Joze Custodio Coelho Leal, Joaquim Gomes Pereira e Manoel Alves Ferraz. Para secretário, João Prestes dos Sanctos e Joaquim Candido Pinto de Castro. E logo, no mesmo dia, lavraram a ata das eleições, não sem antes perguntar "em vos alta e inteligivel aos circunstantes se algum d'entre elles tinha a dennunciar suborno, ou conloio para que a Eleição recahisse sobre pessoa ou pessoas determinadas", não havendo nenhuma acusação entre os presentes.

A ata traz um dado muito interessante. Segundo o vigário, havia na vila e em suas capelas filiais 1.758 fogos (lares) e foram apresentadas 64 listas fornecidas pelos cidadãos para o fim da eleição. Procedida a votação, a ata lista os mais votados, estando encabeçada a relação de eleitos pelo reverendo Fidencio Jozé Ortiz da Silva, com 51 votos, Jozé Gonçalves de Freitas, com 41, e assim por diante, finalizando com o capitão Balthazar Pinto de Aguiar, com 25 votos.

Com a promulgação da Constituição de 1824, o voto passou a ser obrigatório, mas censitário, ou seja, só podiam votar os homens com mais de 25 anos e com uma renda anual determinada. Os que não se enquadravam na idade, as mulheres, os com renda abaixo do estipulado, soldados, índios e escravos não tinham direito ao voto.

A Lei de 1.º de outubro de 1828 deu nova forma e atribuições às Câmaras Municipais, definindo o processo eleitoral para os seus membros e os juízes de paz. A partir dela, a Vila de Cachoeira passou a eleger sete vereadores. Os primeiros a serem eleitos sob a nova lei, cuja ata de eleição e apuração data de 3 de maio de 1829, foram: Joze Custodio Coelho Leal (152 votos), João Nunes da Silva (89), Manoel Joze Pereira da Silva (85), Manoel Alvares dos Sanctos Pessoa (77), Constantino Joze Pinto (67), Feliciano Pereira Fortes (65) e Antonio Xavier da Silva (63). 

Primeira ata da eleição de vereadores após a Lei de 1.º/10/1828
- 3/5/1829 - CM/0F/A-001, fl. 02

No tempo do Império, alguns votos eram indiretos, ou seja, cidadãos da província votavam em outros eleitores que, por sua vez, elegiam os eleitores de paróquia, que elegiam os de comarca, sendo estes os que votavam nos deputados. Os senadores eram geralmente nomeados pelo imperador. Em 1881, pela Lei Saraiva foi introduzido o voto direto e ainda censitário. 

Com a proclamação da República, o voto ainda permaneceu por bom tempo como um direito de poucos. Menores de 21 anos, mulheres, analfabetos, mendigos, soldados rasos, indígenas e integrantes do clero estavam impedidos de votar, segundo informações históricas obtidas em www.camara.leg.br. De 1889 a 1988, um longo caminho foi trilhado até que o voto se tornasse obrigatório para todo brasileiro com mais de 18 anos.

MR

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