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Terreno para colégio do sexo masculino

O cidadão Francisco Timotheo da Cunha, comerciante estabelecido próximo à Estação Ferroviária no início do século XX e também proprietário da Farmácia Cunha, inaugurada em 1905, ofertou ao intendente municipal, Annibal Lopes Loureiro, um terreno no Alto dos Loretos para nele ser instalado um colégio do sexo masculino. A oferta, feita em encontro informal com o  intendente, foi formalizada através de uma carta a ele dirigida em 20 de setembro de 1920.

Na carta, assim se manifestou Francisco Timotheo da Cunha:

Ofício de Francisco Timotheo da Cunha - 20/1/1920 - 
IM/OPV/CCP/Ofícios - Caixa 16

Illmo-Snr-Dr-Intendente-Municipal.

N/Cidade.

A poucos dias em palestra com v.s, na qual se tratou sobre o collegio, para o sexo masculino, no alto dos Loretos, que tão acertadamente  mandou ali funcionar, disse v. s. que pretendia mais tarde faser na quelle logar um edificio proprio pra funcionar aquella aula; em vista do que, venho pedir-vos permissão, para no intuito unico de prestar meu pequeno auxilio a vossa elevada administração offerecer ao Municipio, livre de qualquer retribuição, um terreno na quella zona, contendo 9 mts- de frente a rua -C- e 37 dictos de fundos ao leste, terreno este muito bem situado, secco e plano, em condições de bem servir para o fim que pretende v. s; si se dignar a asseitar este pequeno auxilio, para a obra que tem em vista fucturamente, estou ao vosso dispor para demarcar o terreno e assignar a resptiva [sic] escriptura.

Levo ao conhecimento de v. s. que a tempos doei ao Municipio duas faixas de terras, para serem nellas abertas duas ruas: uma no prolongamento da rua S. João, outra parallela a esta, ao lado do oéste, tendo cada uma 16 mts- de largura sobre cento e tantos de linha recta ao norte a intestar com terras de Pedro Cunha, cujas ruas se acham ja alinhadas de ordem do então Intendente, e como ainda não foi passada a resptiva [sic] escriptura, ponho-me ao vosso dispor, para ultimarmos essa doação. Ja me entendi com Pedro Cunha, proprietario de terras no prolongamento das ruas citadas, para no caso de v. s. querer ainda prolongal-as, elle ceder gratuitamente ao Municipio a parte - que a elle possa conresponder [sic], no que está de accordo.

Aproveito-me do ensejo, para enviar a v. s. as minhas congratulações, pela alta missão que vos foi conferida, almejando que chegue ao seu termo, tudo de acordo com os desejos de v. s.;

Saude e fraternidade.

Fran.co Timotheo da Cunha

Cachoeira 20 de Setembro de 1920.

No verso do documento, datilografado, há uma informação manuscrita: 

Informação manuscrita no verso da carta de Francisco T. da Cunha - 24/1/1921
- IM/OPV/CCP/Ofícios - Caixa 16

Informação.

Informo á V.ª S.ª que os terrenos doados para ruas pelo signatario do presente officio estão situados justamente de accordo com o projecto de arruamento e desenvolvimento da cidade. Além dos trechos cedidos, o que facilita a abertura da rua São João vem a oferta exactamente ao encontro do projecto desta Municipalidade visando o desaffogo do transito da rua Julio de Castilhos pela abertura de ruas parallelas. Quanto ao terreno offerecido para a escola fica num logar excellente; secco, bem drenado e bem situado.

4.ª Secção 24/1/1921.

(...) Pereira da Costa

Eng.º Chefe

 (IM/OPV/CCP/Ofícios – Caixa 16).

Como se vê, o passado está cheio de exemplos de cidadãos que não apenas pensavam, mas agiam em favor da coletividade, abrindo mão inclusive de bens pessoais para garantir que outros tivessem oportunidades e para desenvolver o lugar onde moravam. Foi o caso do bem aquinhoado comerciante Francisco Timotheo da Cunha, que além de seus negócios, residia em uma das casas mais confortáveis da cidade, localizada na Rua 7 de Setembro, e registrada no Grande Álbum de Cachoeira (1922) por Benjamin Camozato. Na casa, muito tempo depois, funcionou por anos a Biblioteca Pública Municipal até que, demolida, deu lugar à agência do Bradesco.

Residência de Francisco Timotheo da Cunha (1922) - Benjamin Camozato

As postagens no blog terão uma pausa, mas serão retomadas em março. 

MR

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