Pular para o conteúdo principal

Um muro no local do "theatro velho"

O primeiro teatro de Cachoeira, o Cachoeirense, foi inaugurado em 1830. Trinta e um anos depois foi construído ao seu lado o prédio da Casa de Câmara e Cadeia, atual Paço Municipal.

Paço Municipal (1864) e Teatro Cachoeirense (1830)
 - foto recuperada por Martinho Schünemann - fototeca Museu Municipal

Sabe-se pouco da história do teatro. Mas chama a atenção o fato de que teria sido mandado construir pelos comerciantes da pequena Vila Nova de São João da Cachoeira e que sua capacidade era para acomodar 500 espectadores!
No final do século XIX o prédio teria sido demolido, sem que haja muita clareza a respeito do que de fato aconteceu. O seu lugar foi ocupado por um grande jardim que atualmente dá acesso às instalações do Gabinete do Prefeito e outros departamentos municipais.

Vista aérea do Paço Municipal, vendo-se o jardim que dá acesso ao Gabinete
- foto Robispierre Giuliani

Eis que um contrato celebrado entre a Intendência Municipal e o construtor Francisco Miotti  vem jogar luz sobre a situação do prédio, determinando que ele deveria construir um muro na "parede do lado Sul do theatro velho que foi incendiado", aproveitando os mesmos tijolos nela empregados. Teria um incêndio destruído todas as instalações do velho prédio? Ou teria sido parcialmente avariado?
O Grupo de Recuperação do Paço Municipal, que conta com especialistas em obras e construções, tem encontrado evidências de que o prédio do Teatro Cachoeirense ficava muito próximo do Paço Municipal, tendo sua demolição permitido intervenções posteriores no projeto original da Casa de Câmara e Cadeia. Estes são questionamentos que por ora ficarão sem respostas concretas, mas a riqueza documental preservada pela Municipalidade junto ao Arquivo Histórico é uma fonte preciosíssima para descobertas permanentes - ou de pistas que podem levar a novas e desafiadoras perguntas sobre o nosso passado.

Livro IM/GI/AB/C-001, fls. 35 e 35v.

Eis a íntegra do contrato constante do Livro IM/GI/AB/C-001, fls. 35 e 35v.:

Contracto que faz Francisco Miotti com a Intendencia Municipal para a construcção de um muro no local onde existia o theatro velho e reparos no prédio da sub-intendencia, sito á rua Saldanha Marinho, pela forma seguinte:
1.ª
O contractante obriga-se a demolir a parede do lado Sul do theatro velho que foi incendiado até a altura do respaldo do muro a construir, fasendo na parede demolida, na altura do respaldo, com uma argamassa de cal areia e cimento, e remate necessario.
2.ª
A construir com tijolos retirados da dita parede um muro em toda a frente, com dous metros de altura, caiado e rebocado na face externa, sendo este muro construído com tijolos a tição e dous pilares centraes com a necessaria resistencia para suster um portão de nove palmos, com dobradiças de ferro que serão encaixados e tomados a cimento.
3.ª
O alicerce terá 0,80 x 0,50 e será feito de pedra, cal, areia e cascotes, fornecendo a Intendencia a água precisa para todo o serviço.
4.ª
O traço empregado no muro para assentamento dos tijolos será de 3 x 1 de cal e areia, o reboque na base da frente até a altura de 0,60 será de cimento e dahi até a altura do respaldo será de 2 x 1 de areia e cal.
5.ª
O contractante obriga-se mais a substituir as paredes do edifício da sub-intendencia feitos de estuque e cujo reboco está a cahir, por imperícia e ganância do constructor, por paredes feitas como tijolo em pé convenientemente tomados com traço forte na razão de 2 x 1 de cal e areia.
6.ª
Obriga-se mais a rebocar ambas as faces das ditas paredes com reboco de cal e areia na mesma proporção, caiando todas as peças do mesmo predio, a juiso da Intendencia.
7.ª
A fornecer todo o material preciso para este ultimo serviço, pagando a Intendencia ao contractante, por todas obras de que trata este contracto, a quantia de seiscentos e deseseis mil reis (616$000) depois de recebido todo o serviço.
8.ª
O contractante, no fim de quatro meses, obriga-se a pagar a esta Intendencia uma multa de duzentos mil reis (200$000) si por ventura ficar provado que as obras executadas não têm a precisa solidez.
E, para claresa, eu, João Porto da Fontoura, secretario da fasenda, lavrei o presente contracto que assignam o Sr. D.r Candido Alves Machado de Freitas, vice-intendente em exercicio e o contractante Francisco Miotti sobre 320 reis de estampilhas estaduaes.
Cachoeira 7 de Maio de 1906
Dr Candido Alves M. de Freitas
Francisco Miotti

  

Comentários

  1. Fantástico....que belas descobertas.

    ResponderExcluir
  2. As informações fornecidas por este documento realmente "jogam luz" sobre vários fatos, comprovam algumas avaliações preliminares e suscitam muitas novas perguntas, intensificando cada vez mais a importância desta edificação sesquicentenária. Um belo trabalho em equipe das pesquisadoras, interpretando obscuros documentos protegidos da voracidade do tempo, auxiliando os arquitetos, todos unidos pelo amor ao nosso patrimônio histórico, testemunho da grandeza de Cachoeira! Parabéns! Obrigada!
    Elizabeth Thomsen ( coordenadora -geral do Movimento pela Restauração do Paço Municipal)

    ResponderExcluir
  3. Obrigada, José Esber e Elizabeth Thomsen. O apoio de vocês nos estimula a cada vez mais buscar informações para juntos fortalecermos o movimento em prol do nosso Paço Municipal.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Casa da Aldeia: uma lenda urbana

Uma expressão que se tornou comum em nossos dias é a da "lenda urbana", ou seja, algo que costuma ser afirmado pelas pessoas como se verdade fosse, no entanto, paira sobre esta verdade um quê de interrogação!  Pois a afirmação inverídica de que a Casa da Aldeia é a mais antiga da cidade é, pode-se dizer, uma "lenda urbana". Longe de ser a construção mais antiga da cidade, posto ocupado pela Catedral Nossa Senhora da Conceição (1799), a Casa da Aldeia, que foi erguida pelo português Manoel Francisco Cardozo, marido da índia guarani Joaquina Maria de São José, é mais recente do que se supunha. Até pouco tempo, a época tida como da construção da casa era dada a partir do requerimento, datado de 18 de abril de 1849, em que Manoel Francisco Cardozo: querendo elle Suppl. Edeficar umas Cazas no lugar da Aldeia ecomo Alli seaxe huns terrenos devolutos na Rua de S. Carlos que faz frente ao Norte efundos ao Sul fazendo canto ao este com a rua principal cujo n

Hospital da Liga - uma obra para todos

Interessante recobrar a história de construção do Hospital da Liga Operária, o gigante do Bairro Barcelos, que se ergueu sob a batuta do maestro do operariado cachoeirense: o vereador José Nicolau Barbosa. E justamente agora que o município planeja desapropriá-lo para nele instalar o sonhado curso de medicina. José Nicolau Barbosa apresentando a obra do Hospital da Liga Operária - Acervo familiar O sonho do Nicolau, como ficou conhecido o empenho que aplicou sobre a obra, nunca chegou a se realizar, uma vez que a edificação não pôde ser usada como hospital. Ainda assim, sem as condições necessárias para atendimento das exigências médico-sanitárias, o prédio de três andares vem abrigando a Secretaria Municipal de Saúde. Mesmo desvirtuado de seu projetado uso original, mantém o vínculo com o almejado e necessário atendimento da saúde do trabalhador cachoeirense. O Jornal do Povo , edição de 1.º de março de 1964, traz uma entrevista com José Nicolau Barbosa, ocasião em que a reportagem do

Bagunça na 7

Em 1870, quando a moral e os bons costumes eram muito mais rígidos do que os tempos que correm e a convivência dos cidadãos com as mulheres ditas de vida fácil era muito pouco amistosa, duas delas, Rita e Juliâna, estavam a infernizar moradores da principal e mais importante artéria da Cidade da Cachoeira. Diante dos "abusos" e das reclamações, chegou ao subdelegado de polícia da época, Francisco Ribeiro da Foncêca, um comunicado da Câmara Municipal para que ele tomasse as necessárias providências para trazer de volta o sossego aos moradores. Rua 7 de Setembro no século XIX - fototeca Museu Municipal A solicitação da Câmara, assinada pelo presidente Bento Porto da Fontoura, um dos filhos do Comendador Antônio Vicente da Fontoura, consta de um encadernado do Fundo Câmara Municipal em que o secretário lançava o resumo das correspondências expedidas (CM/S/SE/RE-007), constituindo-se assim no registro do que foi despachado. Mais tarde, consolidou-se o sistema de emitir as corresp